"(...) as realidades mais óbvias, onipresentes e fundamentais são com frequência as mais difíceis de ver e conversar a respeito. Dito dessa forma, em uma frase, é claro que isso não passa de uma platitude banal, mas o fato é que nas trincheiras cotidianas da existência adulta as platitudes banais podem ter uma importância vital, ou pelo menos é o que eu gostaria de sugerir a vocês nessa manhã de tempo seco e agradável." (David Foster Wallace, "This is water", 2005)

sábado, 20 de julho de 2013

"... avançam mais sutis que os Anjos do Mal"

"As joias" de Baudelaire, integrante de "As flores do mal". Não sei de quem é essa tradução para o português, mas é a mais conhecida. Poesia altamente sensual para chocar os carolas do séc. XIX.

A amada estava nua e, para o meu amor,
O seu corpo a florir só de jóias faísca.
E em sua ostentação, revela o ar vencedor
Que num dia feliz tem a escrava mourisca.

Quando atira na dança o ruído zombador,
Este mundo a irradiar de pedras e metais,
Põe-me num frenesi e adoro até o furor
O que une a luz ao som mas em partes iguais.

Ela estava deitada e deixando-se amar,
Do alto do seu divã, ela sorri sem medo,
Ao meu amor profundo e doce como o mar
Que procura alcança-la assim como um rochedo.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

De volta ao começo

Acordando com esta música na cabeça, naqueles inusitados mistérios do inconsciente. Gosto da letra: chegar ao fundo do fim para recomeçar. O campo aberto à frente é instigante, já disse em outro blog. O que acho particularmente perturbador, às raias da angústia, é a sensação de sequer se ter começado. Nada mais triste que o corredor, na linha de largada, aguardando o sinal que não vem, e enquanto isso a vida escorre.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A espada substituída pelo crucifixo

Acabei o primeiro volume, "O Último Reino" (The Last Kingdom, 2004), das "Crônicas Saxônicas" de Bernard Cornwell. Em versão PDF, porque não encontrei o livro no centro na cidade. De início pensei estar lendo a obra errada, afinal, eram os dinamarqueses -os famigerados vikings- os protagonistas, e não os saxões, coitados, pintados como fracotes cristãos levando surra atrás de surra. Os saxões assumem a dianteira da história apenas do meio pro final, quando assoma a figura de Alfredo (Ælfred), rei de Wessex, o estadista que foi para os saxões o que o mítico rei Arthur foi para os bretões.

Isso dos pagãos fortes contra os cristãos fracos aparece, a propósito, também na trilogia de Cornwell sobre Arthur. O cristianismo como um drenador, um sugador, de forças. A espada substituída pelo crucifixo, a confiança depositada nos céus e não nas próprias forças. Lembro-me da crítica nietzschiana ao cristianismo, uma "religião de escravos", uma "religião de decadência". Endossando isso ou não, é claro que dar a outra face e projetar a felicidade para o futuro pós-túmulo não dá em boa coisa.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Sobre generalizações perigosas

O que leva uma corrente, como a LBI (citada no último post), a uma análise tão rasteira da realidade? Eis o que diz em seu texto "'Frente Única pró-Fascista'? Revisionistas defendem PEC-300 após PM comandar massacre na Maré", de 28/ 06 (aqui):

Apesar de nesta manifestação no Rio de Janeiro os chamados partidos de “esquerda” (PCB, PSTU, PSOL, Liga-Operária-MEPR) estarem presentes com suas bandeiras, a política revisionista destes grupos demonstrou que tal “frente” não representa qualquer avanço político nas marchas no combate a direita e aos grupos fascistas, ao contrário, na medida em que tais correntes fazem do “espontaneísmo” das massas um fetiche e desprezam a enorme confusão ideológica presente nas manifestações, acabam por se aliar a setores retrógrados e a empunhar reivindicações reacionárias.

Isto é, a dita corrente consegue colocar, na vala comum, organizações tão distintas entre si como as citadas acima. E não é só isso: falseia, às raias da calúnia, a posição do PCB, como se o PCB não estivesse a par das contradições envolvidas nas recentes manifestações pelo País.

Veja-se, nesse sentido, o documento "Frente anticapitalista para avançar", do Comitê Central do PCB, de 23/ 06/ 13 (portanto ANTES do texto da LBI), aqui:

A movimentação de rua, que começou por iniciativa popular, está agora em disputa, pois a direita tenta sequestrar e carnavalizar o movimento, canalizando-o para seus objetivos; essa é uma tática recorrente das classes dominantes, que sequestraram movimentos iniciados pela esquerda e os levam para o pacto de elites, como foram os casos das Diretas Já e do Fora Collor.

Valendo-se da justa indignação da população com o governo, os partidos de sua base de sustentação e demais partidos da ordem, que manipulam as demandas populares e dos trabalhadores para fins eleitorais e depois viram as costas paras estas demandas, a direita mais ideológica e reacionária, que não foi comprada pela máquina governamental petista, traveste-se de apartidária e joga as massas desorganizadas e alienadas pela mídia contra a esquerda socialista, estimulando a desordem para, em seguida, exigir a ordem.

Precisam tirar das ruas a verdadeira esquerda e suas propostas revolucionárias para, assim, se apoderar das manifestações e não ter o contraponto organizado e popular quando de suas investidas desestabilizadoras, que contam com o apoio logístico e o olhar benevolente de seus colegas fardados em horário de serviço.

No momento, a hegemonia do movimento é do campo moralista, antipartidário e “nacionaleiro” da classe média, com palavras de ordem difusas e setoriais. Soma-se a isso a compreensível explosão de setores da população tornados invisíveis pelo até então enganoso discurso ufanista do governo: indivíduos que em sua maioria saem de comunidades proletárias, cansados de apanhar da polícia. Valem-se do tumulto para se apoderar de bens de consumo que cobiçam nos anúncios na televisão, mas que não podem comprar.

As forças fascistas, reduzidas em número, mas com o apoio da grande mídia a seu discurso patrioteiro e antipartidário, aproveitam-se dessa tendência para tentar conduzir o movimento na direção de alguma forma de golpe institucional “de massas” e dentro da ordem legal, deixada intacta pelos governos petistas. Como os golpes com tanques nas ruas estão desatualizados, poderão tentar formas golpistas no parlamento e/ou no judiciário ou acumular para vencer as eleições de 2014.

Como pode a LBI dizer, então, que o PCB "despreza a enorme confusão ideológica presente nas manifestações"?

Criticar sem base é irresponsável. É a consequência das generalizações perigosas -e toda generalização o é- feitas pela LBI. Colocam as mais diversas forças dentro de um mesmo "saco de gatos", da mesma forma que os sectários, criticados por Trotsky no "Programa de Transição", que "simplificam a realidade para não se expor à tentação".