"(...) as realidades mais óbvias, onipresentes e fundamentais são com frequência as mais difíceis de ver e conversar a respeito. Dito dessa forma, em uma frase, é claro que isso não passa de uma platitude banal, mas o fato é que nas trincheiras cotidianas da existência adulta as platitudes banais podem ter uma importância vital, ou pelo menos é o que eu gostaria de sugerir a vocês nessa manhã de tempo seco e agradável." (David Foster Wallace, "This is water", 2005)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ainda a PEC 37

A Liga Bolchevique Internacionalista (aqui) sobre as tentativas de barrar (a agora já barrada) PEC 37:

Trata-se de uma manobra antidemocrática da burguesia que pretende transformar a corja reacionária do ministério público (Roberto Gurgel e Cia.) em um superpoder neste país.

Eu não chego a tanto, mas também fui, desde o primeiro momento, apoiador da PEC. Para não me repetir, me reporto aos seguintes comentários no Facebook, aqui e aqui.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Fascismo e manifestações "apartidárias"- não passarão!

A recentes manifestações no Brasil têm para mim o mesmo caráter dos levantes árabes: movimentos que surgiram, de forma espontânea, por uma pauta legítima de massas -no caso brasileiro, o combate ao aumento das passagens- que, ao longo do processo, foram cooptados, sequestrados, pela direita reacionária. Veja-se a forma como as bandeiras nacionais apareciam cada vez mais, em meio a palavras de ordem de fácil digeribilidade junto à classe média ("contra a corrupção", "contra a PEC 37", "fora partidos" etc.). E a mudança de discurso da grande imprensa? Antes baderna, a manifestação de segunda (17/ 06) foi anunciada com sorriso por Patrícia Poeta no "Jornal Nacional". Também pudera: a direita conseguia cada vez mais dar a pauta do movimento. E como também a direita tem suas contradições -existem inclusive no interior das classes- acabou por recuar, quando viu que as coisas estavam indo longe demais, principalmente após quinta (20), quando se deu a tentativa de incêndio do Palácio do Itamaraty. Há setores da extrema-direita que estão interessados na desestabilização profunda do governo petista e o retorno dos militares. Disso não se duvida. Mas outra direita não quer isso, ao menos não quer agora, e o editorial d'"O Globo" do sábado (22) -aqui-, em que critica o antipartidarismo e fala em golpismo, é exemplo.

Ah, o antipartidarismo. Quando a massa gritava "fora partido", queria dizer, "fora partidos de esquerda". Porque era a esquerda que estava nas ruas, desde primeira hora. Fora a bandeira vermelha, viva a bandeira nacional: eis o fascismo na rua, de forma orquestrada, pois a hostilidade organizada contra a esquerda se viu no País inteiro, em torno das mesmas palavras de ordem e mesmas provocações. E tudo conforme a direita cooptava o movimento: ao longo do processo as bandeiras vermelhas estavam presentes (13/ 06), então foram hostilizadas e vaiadas (17) e, quando o fascismo se sentiu forte pra isso, tomadas (ao menos tentaram) e os militantes da esquerda agredidos, covardemente. A massa não é fascista, mas fez coro com os fascistas, no dia 20 na Avenida Presidente Vargas: apoiou, com sua aversão à política e postura "apartidária", o que há de mais atrasado e reacionário no espectro político. E aquela horda fascista, com o "apoio moral" recebido, atacou por trás a coluna vermelha com bombas e pedras.

Que seja- no pasarán. A luta de classes tem muitos capítulos. Socialismo ou barbárie, e aposto minhas fichas no socialismo.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Um misto curioso de intelectualismo e de paixão"

Fala de Gustav Radbruch (1932), in "Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados" de Andreas Krell:

O sentimento jurídico exige, por consequência, uma inteligência viva e ágil, tão capaz de poder elevar-se rapidamente do particular ao geral, como, inversamente, de baixar do geral ao particular. É por isso que o tipo do lutador de direito se caracteriza por um misto curioso de intelectualismo e de paixão. Se o seu intelectualismo lhe permite ver facilmente o particular no geral, habilitando-o portanto a formular com rapidez juízos justiceiros, é, porém, a paixão que lhe permite depois realizar a sua ideia abstrata de justiça, lançando dentro dela o fogo de seu temperamento ativo.

Paixão e razão, margens opostas dentro das quais devemos navegar. Isso se aplica a tudo na vida, naturalmente, mas nas profissões jurídicas (o mote da fala de Radbruch) podemos, e até devemos, estimular os excessos. Explicando: o advogado, e em um menor grau o Ministério Público, podem ser apaixonados. Desempenham melhor sua função dessa forma. O juiz, não; o magistrado deve zelar pelo equilíbrio, portanto buscar o extremo oposto. Uma das críticas -uma!- que podem ser feitas a Joaquim Barbosa é o tom irascível que demonstra em seus votos, do que o julgamento da AP 470 -mensalão- foi exemplo. Indignação e passionalidade vão bem na carreira antiga de Joaquim, o Ministério Público Federal, mas não no Supremo Tribunal Federal.

Claro, é difícil- o juiz também é um ser humano. Mas há que refrear as próprias inclinações pessoais, doloroso que seja isso, quando se estão em jogo direitos e garantias fundamentais.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Pelos direitos dos animais

No último post falamos em Peter Singer, filósofo da escola utilitarista. Singer é autor de "Libertação Animal" (Animal Liberation, 1975), um clássico na defesa dos direitos dos animais. Fico feliz que a comunidade jurídica nacional esteja, cada vez mais, encampando essa luta, como se vê neste recente texto de Lenio Streck.

sábado, 15 de junho de 2013

"... há algo de errado nisso"

Do filósofo australiano Peter Singer:

Quando pagamos um salário alto a uma pessoa para programar um computador e um salário baixo a outra para limpar um escritório, na prática estamos pagando mais para quem tem o QI maior. Isso significa que pagamos as pessoas por algo determinado em parte antes de elas nascerem e, quase totalmente, antes de chegarem a uma idade em que sejam responsáveis por seus atos. Do ponto de vista da justiça e da utilidade, há algo de errado nisso.

Trata-se exatamente da constatação, historicamente feita pelos marxistas, da oposição entre trabalho braçal e trabalho intelectual na sociedade de classes. Singer não é marxista, e nem precisa sê-lo para perceber que, de um ponto de vista de justiça e utilidade, tal discriminação é errada.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Tem a ver com a mercantilização da vida

Bukowski, in "Dinosauria, we" ("Nós, dinossauros", tradução de Fernando Koproski):

nascemos nisso
em hospitais tão caros que é mais barato morrer
em advogados que cobram tanto que é mais barato se declarar culpado
num país onde as cadeias estão lotadas e os hospícios fechados
num lugar onde as massas promovem idiotas a heróis ricos.

Tem a ver com a mercantilização da vida falada no post anterior. Mas hoje em dia, o que é que não tem?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

"Está se pervertendo uma atividade que é basicamente humana"

Entrevista no último domingo, n'"O Globo", com o médico Luiz Roberto Londres:

Tudo o que aprendi eu devo à medicina pública e beneficente. Era o orgulho dos médicos o trabalho público, de ensino, pequisa e beneficente. Medicina é uma missão. Hoje a gente vê que outras dimensões estão sendo mais valorizadas que as pessoais: tamanho, empresa, dinheiro, conglomerados. Está se pervertendo uma atividade que é basicamente humana.

Íntegra aqui. Isto é o capitalismo: valores transformados em moeda, vida transformada em negócio. O mesmo vale (com trocadilho) para a educação etc. E, sendo impossível um capitalismo "humanizado", é evidente que não há solução para a Humanidade senão a superação da forma de produção capitalista.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Sozinho no topo da montanha"

Lendo Kerouac em ritmo vertiginoso, como é sua própria escrita. O que ele chama de prosa "espontânea", "(...) The Subterraneans em três noites- escrevi On the Road em três semanas". "Sozinho no topo da montanha" ("Alone on a Mountaintop", tradução de Eduardo Bueno, L&PM) me lembra Thoreau: o isolamento em uma cabana no meio do nada e as meditações em torno da natureza. Gostaria de passar uma experiência do tipo, ao menos uma vez na vida, apenas na companhia invisível de Avalokitesvara, o Urso Primordial, mas acho que ainda sou muito animal urbano para isso.

terça-feira, 4 de junho de 2013

A LIT e a Síria, rápido comentário

Nesta declaração (aqui), a LIT- Liga Internacional dos Trabalhadores, assim se posiciona sobre os eventos na Síria:

A LIT-QI, desde o início da revolução, expressa um apoio sem condições à revolução síria, independentemente de sua direção, e sustentamos que a bandeira central dos ativistas e lutadores/as honestos/as e da esquerda deve ser, mais que nunca: Fora Assad, não à intervenção imperialista e sionista! Todo apoio para o triunfo da revolução!

O grifo é meu. "Independentemente de sua direção", ora, que temeridade dizer algo assim! Cai em contradição quando diz, a seguir, "não à intervenção imperialista e sionista". Afinal, se não importa o caráter da direção, ser imperialista ou sionista é mero detalhe. Ou é apenas uma confusão retórica? Mas não fica nisso. Vejamos, ainda:

Neste sentido, é necessário exigir de todos os governos do mundo, começando por aqueles países da região que são parte da revolução, como Egito, Tunísia ou Líbia, que rompam relações diplomáticas e comerciais com a ditadura de Assad e que enviem aviões, tanques e armas pesadas, medicamentos, alimentos e todo tipo de apoio material para as milícias rebeldes, para que estas possam derrotar e acabar com este regime que oprime o povo sírio e que mostrou ser uma garantia fiel dos interesses de Israel e dos Estados Unidos.

A primeira pergunta que se faz: a quem exatamente a LIT faz o apelo? A "todos os governos do mundo", que não sigam os interesses de Israel e EUA. A dificuldade já nasce aí. A LIT faz apelo a algum Estado Operário? Mas salvo Cuba e Coréia do Norte, essa sob degeneração gravíssima, já não há Estados Operários, e a LIT sequer os reconhece como tal. E os países que tensionam com os EUA, como Venezuela e Irã, também não nutrem a simpatia dos morenistas. A pergunta fica em aberto: quem virá ao socorro dos "rebeldes" sírios? O texto cita nominalmente Egito, Tunísia e Líbia, mas tais países estão sob a chancela da OTAN ou em tensão com o poder militar, de modo que não são aptos para oferecer ajuda. Seriam, caso a classe trabalhadora desses países não tivesse sido alijada do processo. A "revolução do Nilo" foi um movimento popular que, em dado momento, foi encampado pelo imperialismo internacional, derrubando ele próprio seus aliados -de Kadafi a Mubarak- que já não serviam. A falta de uma direção revolucionária -lembremos o "Programa de Transição"- impediu que se chegasse a uma situação, de fato, revolucionária.

Quem ajudaria, então? A União Européia..? Pano rápido.

Ah, sim, usei aspas para "rebeldes". A própria LIT, no texto indicado, reconhece as contradições envolvidas no processo (inclusive a disputa sectária religiosa, conforme Robert Fisk lembra neste texto). "Rebeldes", aqui, inclui sionistas e imperialistas, o Exército Livre da Síria, milícias islâmicas, setores da classe trabalhadora síria. É complexo. Muito. Mas para a LIT, não importa quem está na direção!

Leon Trotsky, em "Combater o imperialismo para combater o fascismo", de setembro de 1938, escrevia:

Realmente, pode alguém acreditar, por um momento sequer, que Chamberlain, Daladier ou Roosevelt são capazes de declarar uma guerra para defender o princípio abstrato da "democracia"? Se o governo britânico amasse tanto a democracia, teria dado a liberdade à Índia. E o mesmo com a França. A Grã-Bretanha prefere a ditadura de Franco na Espanha à dominação política dos operários e camponeses, porque Franco pode ser um agente do imperialismo britânico muito mais complacente e de confiança.

A LIT dirá que Assad, justamente, está no papel de Franco. Mas isso não explica porque os EUA e o sionismo (também) querem derrubá-lo. É o atoleiro de contradições onde a LIT se enfiou.

sábado, 1 de junho de 2013

Ultraesquerdismo, ou "complexo de vestal"

Começando junho, Cannon contra o sectarismo:

O ultraesquerdismo é um vírus terrível. Prospera melhor em movimento isolado das massas, que não tem nenhum corretivo destas (...) Quanto menos gente os escuta, quanto menos efeitos têm suas palavras sobre o curso dos eventos humanos, mais extremos, irracionais e histéricos são em suas formulações.

Em "História do Trotskismo Norte-americano" (aqui). É fantástico que o "complexo de vestal" (isto é, a convicção de ser o único "puro" e "imaculado" revolucionário verdadeiro) subsista mesmo diante de tantas admoestações. Os sectários, aqueles que simplificam a realidade para não cair em tentação, como diz Trotsky, não se emendam. O ultraesquerdismo muitas vezes é puro oportunismo. Porém ainda acho que, entre dois extremos -o esquerdismo e o direitismo-, isto é, entre a doença infantil e a doença senil, essa última é pior.