"(...) as realidades mais óbvias, onipresentes e fundamentais são com frequência as mais difíceis de ver e conversar a respeito. Dito dessa forma, em uma frase, é claro que isso não passa de uma platitude banal, mas o fato é que nas trincheiras cotidianas da existência adulta as platitudes banais podem ter uma importância vital, ou pelo menos é o que eu gostaria de sugerir a vocês nessa manhã de tempo seco e agradável." (David Foster Wallace, "This is water", 2005)

domingo, 27 de outubro de 2013

Dia da caça, dia do caçador

Uma coisa deve ser dita: COM CERTEZA, mas com absoluta certeza, o coronel da PM paulista agredido na manifestação de massas do dia 25/ 10 (aqui) fez, ao longo de sua carreira policial, a MESMA coisa com muita gente. Principalmente, podemos dizer, e também com certeza, contra jovens negros proletários das periferias. E, ainda por cima, com o amparo do Estado burguês, do qual é o braço armado.

Provou do próprio veneno.

Mas suponhamos que o coronel Rossi seja um policial militar exemplar, que jamais em toda sua trajetória abusou de sua autoridade contra a população pobre. Ainda assim há que perguntar o porquê de ter sido quase linchado. Não é por ser apenas um agente estatal. Os manifestantes não fariam isso com, por exemplo, os professores da rede pública; ao contrário, aqui no Rio de Janeiro os setores mais radicalizados, os "vândalos" da Rede Globo, cantavam "o professor é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo". Não fariam isso com a Defensoria Pública, por exemplo, e o prédio do Tribunal de Justiça, aqui no Centro do Rio, apesar de estar no trajeto rumo à Alerj, tem passado incólume durante as manifestações. A Polícia, não; a Polícia é odiada. Todos querem a chance de dar um chute, uma porrada, uma pedrada na Polícia. Desperta o ódio instintivo- e é um ódio merecido. A juventude negra proletária da periferia pode confirmar isso.

É preciso ter algumas coisas em mente. A polícia é o cão de guarda do sistema, e não basta trocá-la por outra; o sistema arranjará novos guarda-costas. O verdadeiro inimigo, pois, é o sistema, e não seus paus-mandados (os policiais infiltrados nas assembleias dos professores da rede pública têm sido enxotados aos gritos de "cachorrinhos do Cabral"). Nesse sentido, como marxistas, somos contra o terrorismo individual. Porque a "conta que nos deve pagar o sistema capitalista é demasiado elevada para ser apresentada a um funcionário chamado ministro", ou, aqui, a um coronel da PM.

Não adianta muito, portanto, agredir um coronel da PM. Mas, ao contrário de Dilma (aqui), a mesma Dilma que convoca a Força Nacional para garantir o criminoso leilão do Campo de Libra, não temos nenhuma solidariedade para com o coronel Rossi. Muito pelo contrário, a nossa solidariedade é para com a juventude negra proletária da periferia, as vítimas do sistema que o coronel Rossi e sua polícia representam.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Borboletas e milagres

A abordagem materialista da vida tem como uma de suas consequências o maior respeito à natureza. Afinal, o especismo, tão bem combatido por Peter Singer, está calcado na mentalidade religiosa, que imagina o homem feito "à imagem e semelhança" de Deus (ou dos deuses), e portanto a "cereja no bolo" da Criação. Mas, se não somos frutos de experiências divinas, se somos o que somos graças a milhares de milênios de evolução gradual, regida por princípios naturais, a coisa muda de figura. Passamos a nos ver com mais humildade. O homem deixa de ser o "senhor" do universo, por vontade divina, e se torna parte integrante do meio. Biocentrismo: o centro é a vida. Toda a vida. O potencial humano, seu intelecto e habilidades, o tornam não superior, mas mais responsável pelas demais espécies e pelo planeta que ocupa. É antes um fardo que um privilégio "divino".

Ontem, limpando a piscina. Num trabalho de Sísifo, passava a rede para recolher o tapete de folhas que cobria a água. Alguns insetos mortos. Perto da borda, recolho o que parece ser mais uma folha, avermelhada e de manchas escuras. Vejo que a folha se agita: não é uma folha em absoluto, mas sim uma borboleta. Mexe as asas com muito esforço, como na agonia final antes da morte. Com cuidado, consigo fazer com que caia da rede para o chão. A pobre borboleta debate-se no piso, as asas delicadas encharcadas. Por quanto tempo estivera lá, afogando-se na água cheia de cloro da piscina? E agora travava uma luta pela sobrevivência. E que luta! Timidamente, as asas ganhavam movimento. As pequenas patas -não sei se se fala em "patas" no caso de borboletas- se agitavam aos poucos. Estava murcha, mas foi readquirindo a postura. As asas avermelhadas e manchadas de preto já esticadas, então altivas. E, milagre!, a borboleta alça vôo, ainda desorientada, mas já alcançando as alturas. Observei até que se perdesse de vista. Tive minha parte nisso, ao resgatá-la da água. Mas se a borboleta sobreviveu, foi por esse impulso fantástico da vida. Que não se entrega. Milagre, sim, mas da natureza.

sábado, 24 de agosto de 2013

O Velho da Casa Triste

Outra tradução. Dessa vez, dedicada a Trotsky: o poema "You Are The Old Man In The Blue House", de Kevin Higgins, membro do Permanent Revolution Readers Group no Facebook (aqui). O poema original está aqui. Como sói acontecer, minha tradução é livre, solta e inventiva.

O Velho da Casa Triste

Fazendo a si mesmo
promessas impossíveis.

Lá fora
cactos e lobos,
quando não se tem
para onde ir.

Já faz um tempão desde que carimbaram
em teu passaporte:
REJEITADO.

Ameixas cristalizadas,
em teu quinquagésimo nono aniversário,
e uma bandinha tocando.

E, enquanto isso, lá fora,
teus amigos
vão sendo
baleados na nuca.

A tempestade de agosto às portas
ecoando as palavras do Procurador Geral:
"-Abaixo com o abutre, e esses miseráveis filhos
de porcos com raposas!
"

Em tua mão,
profeta desarmado,
a pistola descarregada.

Esperas por
sabe-lá-quem
que abrace teu crânio e murmure,
"acabou".

Piedade é promessa
que não se realiza.
Ameixas cristalizadas e bandinhas tocando,
quando não se tem
para onde ir.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Quando a religião é o próprio amor

Amostra da poesia mística de Rumi, o famoso sufi persa do séc. XIII. Passei para o português a partir da versão em inglês de Shahram Shiva (que pode ser conferida, e muitas outras, aqui).

Saiba: o verdadeiro Amante
Não tem religião.
Não há crença ou descrença,
já que a religião é o próprio Amor.

Corpo, mente, coração e alma:
no Amor,
sequer existem.

Torne-se isso.
Apaixone-se.
E nunca mais
nos separaremos novamente.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Uns mais banais que os outros

Eis que as Platitudes parecem um tanto abandonadas, e com efeito ao longo de todo o mês de julho houve apenas quatro postagens, produção ínfima para quem queria escrever em várias doses diárias. É que a vida atropela os planos. Além da falta de tempo habitual, as redes sociais, notadamente o Facebook, acabam servindo, elas próprias, de veículo para essas platitudes. O "senão" é que, se em um blog a "perenidade" de algo -seja um comentário, reflexão ou crítica- é relativizada, pela própria natureza da ferramenta, diferentemente de um site propriamente dito ou de um trabalho publicado, no Facebook tudo é ainda muito mais efêmero. Os melhores posts (e não quero dizer que seja eu a produzi-los, longe disso) são soterrados, em questão de segundos, pela pletora de imagens fofinhas e mensagens religiosas de autoajuda que reinam em nossas timelines. O grosso do Facebook consegue ser mais banal que nossas platitudes.

sábado, 20 de julho de 2013

"... avançam mais sutis que os Anjos do Mal"

"As joias" de Baudelaire, integrante de "As flores do mal". Não sei de quem é essa tradução para o português, mas é a mais conhecida. Poesia altamente sensual para chocar os carolas do séc. XIX.

A amada estava nua e, para o meu amor,
O seu corpo a florir só de jóias faísca.
E em sua ostentação, revela o ar vencedor
Que num dia feliz tem a escrava mourisca.

Quando atira na dança o ruído zombador,
Este mundo a irradiar de pedras e metais,
Põe-me num frenesi e adoro até o furor
O que une a luz ao som mas em partes iguais.

Ela estava deitada e deixando-se amar,
Do alto do seu divã, ela sorri sem medo,
Ao meu amor profundo e doce como o mar
Que procura alcança-la assim como um rochedo.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

De volta ao começo

Acordando com esta música na cabeça, naqueles inusitados mistérios do inconsciente. Gosto da letra: chegar ao fundo do fim para recomeçar. O campo aberto à frente é instigante, já disse em outro blog. O que acho particularmente perturbador, às raias da angústia, é a sensação de sequer se ter começado. Nada mais triste que o corredor, na linha de largada, aguardando o sinal que não vem, e enquanto isso a vida escorre.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A espada substituída pelo crucifixo

Acabei o primeiro volume, "O Último Reino" (The Last Kingdom, 2004), das "Crônicas Saxônicas" de Bernard Cornwell. Em versão PDF, porque não encontrei o livro no centro na cidade. De início pensei estar lendo a obra errada, afinal, eram os dinamarqueses -os famigerados vikings- os protagonistas, e não os saxões, coitados, pintados como fracotes cristãos levando surra atrás de surra. Os saxões assumem a dianteira da história apenas do meio pro final, quando assoma a figura de Alfredo (Ælfred), rei de Wessex, o estadista que foi para os saxões o que o mítico rei Arthur foi para os bretões.

Isso dos pagãos fortes contra os cristãos fracos aparece, a propósito, também na trilogia de Cornwell sobre Arthur. O cristianismo como um drenador, um sugador, de forças. A espada substituída pelo crucifixo, a confiança depositada nos céus e não nas próprias forças. Lembro-me da crítica nietzschiana ao cristianismo, uma "religião de escravos", uma "religião de decadência". Endossando isso ou não, é claro que dar a outra face e projetar a felicidade para o futuro pós-túmulo não dá em boa coisa.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Sobre generalizações perigosas

O que leva uma corrente, como a LBI (citada no último post), a uma análise tão rasteira da realidade? Eis o que diz em seu texto "'Frente Única pró-Fascista'? Revisionistas defendem PEC-300 após PM comandar massacre na Maré", de 28/ 06 (aqui):

Apesar de nesta manifestação no Rio de Janeiro os chamados partidos de “esquerda” (PCB, PSTU, PSOL, Liga-Operária-MEPR) estarem presentes com suas bandeiras, a política revisionista destes grupos demonstrou que tal “frente” não representa qualquer avanço político nas marchas no combate a direita e aos grupos fascistas, ao contrário, na medida em que tais correntes fazem do “espontaneísmo” das massas um fetiche e desprezam a enorme confusão ideológica presente nas manifestações, acabam por se aliar a setores retrógrados e a empunhar reivindicações reacionárias.

Isto é, a dita corrente consegue colocar, na vala comum, organizações tão distintas entre si como as citadas acima. E não é só isso: falseia, às raias da calúnia, a posição do PCB, como se o PCB não estivesse a par das contradições envolvidas nas recentes manifestações pelo País.

Veja-se, nesse sentido, o documento "Frente anticapitalista para avançar", do Comitê Central do PCB, de 23/ 06/ 13 (portanto ANTES do texto da LBI), aqui:

A movimentação de rua, que começou por iniciativa popular, está agora em disputa, pois a direita tenta sequestrar e carnavalizar o movimento, canalizando-o para seus objetivos; essa é uma tática recorrente das classes dominantes, que sequestraram movimentos iniciados pela esquerda e os levam para o pacto de elites, como foram os casos das Diretas Já e do Fora Collor.

Valendo-se da justa indignação da população com o governo, os partidos de sua base de sustentação e demais partidos da ordem, que manipulam as demandas populares e dos trabalhadores para fins eleitorais e depois viram as costas paras estas demandas, a direita mais ideológica e reacionária, que não foi comprada pela máquina governamental petista, traveste-se de apartidária e joga as massas desorganizadas e alienadas pela mídia contra a esquerda socialista, estimulando a desordem para, em seguida, exigir a ordem.

Precisam tirar das ruas a verdadeira esquerda e suas propostas revolucionárias para, assim, se apoderar das manifestações e não ter o contraponto organizado e popular quando de suas investidas desestabilizadoras, que contam com o apoio logístico e o olhar benevolente de seus colegas fardados em horário de serviço.

No momento, a hegemonia do movimento é do campo moralista, antipartidário e “nacionaleiro” da classe média, com palavras de ordem difusas e setoriais. Soma-se a isso a compreensível explosão de setores da população tornados invisíveis pelo até então enganoso discurso ufanista do governo: indivíduos que em sua maioria saem de comunidades proletárias, cansados de apanhar da polícia. Valem-se do tumulto para se apoderar de bens de consumo que cobiçam nos anúncios na televisão, mas que não podem comprar.

As forças fascistas, reduzidas em número, mas com o apoio da grande mídia a seu discurso patrioteiro e antipartidário, aproveitam-se dessa tendência para tentar conduzir o movimento na direção de alguma forma de golpe institucional “de massas” e dentro da ordem legal, deixada intacta pelos governos petistas. Como os golpes com tanques nas ruas estão desatualizados, poderão tentar formas golpistas no parlamento e/ou no judiciário ou acumular para vencer as eleições de 2014.

Como pode a LBI dizer, então, que o PCB "despreza a enorme confusão ideológica presente nas manifestações"?

Criticar sem base é irresponsável. É a consequência das generalizações perigosas -e toda generalização o é- feitas pela LBI. Colocam as mais diversas forças dentro de um mesmo "saco de gatos", da mesma forma que os sectários, criticados por Trotsky no "Programa de Transição", que "simplificam a realidade para não se expor à tentação".

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ainda a PEC 37

A Liga Bolchevique Internacionalista (aqui) sobre as tentativas de barrar (a agora já barrada) PEC 37:

Trata-se de uma manobra antidemocrática da burguesia que pretende transformar a corja reacionária do ministério público (Roberto Gurgel e Cia.) em um superpoder neste país.

Eu não chego a tanto, mas também fui, desde o primeiro momento, apoiador da PEC. Para não me repetir, me reporto aos seguintes comentários no Facebook, aqui e aqui.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Fascismo e manifestações "apartidárias"- não passarão!

A recentes manifestações no Brasil têm para mim o mesmo caráter dos levantes árabes: movimentos que surgiram, de forma espontânea, por uma pauta legítima de massas -no caso brasileiro, o combate ao aumento das passagens- que, ao longo do processo, foram cooptados, sequestrados, pela direita reacionária. Veja-se a forma como as bandeiras nacionais apareciam cada vez mais, em meio a palavras de ordem de fácil digeribilidade junto à classe média ("contra a corrupção", "contra a PEC 37", "fora partidos" etc.). E a mudança de discurso da grande imprensa? Antes baderna, a manifestação de segunda (17/ 06) foi anunciada com sorriso por Patrícia Poeta no "Jornal Nacional". Também pudera: a direita conseguia cada vez mais dar a pauta do movimento. E como também a direita tem suas contradições -existem inclusive no interior das classes- acabou por recuar, quando viu que as coisas estavam indo longe demais, principalmente após quinta (20), quando se deu a tentativa de incêndio do Palácio do Itamaraty. Há setores da extrema-direita que estão interessados na desestabilização profunda do governo petista e o retorno dos militares. Disso não se duvida. Mas outra direita não quer isso, ao menos não quer agora, e o editorial d'"O Globo" do sábado (22) -aqui-, em que critica o antipartidarismo e fala em golpismo, é exemplo.

Ah, o antipartidarismo. Quando a massa gritava "fora partido", queria dizer, "fora partidos de esquerda". Porque era a esquerda que estava nas ruas, desde primeira hora. Fora a bandeira vermelha, viva a bandeira nacional: eis o fascismo na rua, de forma orquestrada, pois a hostilidade organizada contra a esquerda se viu no País inteiro, em torno das mesmas palavras de ordem e mesmas provocações. E tudo conforme a direita cooptava o movimento: ao longo do processo as bandeiras vermelhas estavam presentes (13/ 06), então foram hostilizadas e vaiadas (17) e, quando o fascismo se sentiu forte pra isso, tomadas (ao menos tentaram) e os militantes da esquerda agredidos, covardemente. A massa não é fascista, mas fez coro com os fascistas, no dia 20 na Avenida Presidente Vargas: apoiou, com sua aversão à política e postura "apartidária", o que há de mais atrasado e reacionário no espectro político. E aquela horda fascista, com o "apoio moral" recebido, atacou por trás a coluna vermelha com bombas e pedras.

Que seja- no pasarán. A luta de classes tem muitos capítulos. Socialismo ou barbárie, e aposto minhas fichas no socialismo.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Um misto curioso de intelectualismo e de paixão"

Fala de Gustav Radbruch (1932), in "Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados" de Andreas Krell:

O sentimento jurídico exige, por consequência, uma inteligência viva e ágil, tão capaz de poder elevar-se rapidamente do particular ao geral, como, inversamente, de baixar do geral ao particular. É por isso que o tipo do lutador de direito se caracteriza por um misto curioso de intelectualismo e de paixão. Se o seu intelectualismo lhe permite ver facilmente o particular no geral, habilitando-o portanto a formular com rapidez juízos justiceiros, é, porém, a paixão que lhe permite depois realizar a sua ideia abstrata de justiça, lançando dentro dela o fogo de seu temperamento ativo.

Paixão e razão, margens opostas dentro das quais devemos navegar. Isso se aplica a tudo na vida, naturalmente, mas nas profissões jurídicas (o mote da fala de Radbruch) podemos, e até devemos, estimular os excessos. Explicando: o advogado, e em um menor grau o Ministério Público, podem ser apaixonados. Desempenham melhor sua função dessa forma. O juiz, não; o magistrado deve zelar pelo equilíbrio, portanto buscar o extremo oposto. Uma das críticas -uma!- que podem ser feitas a Joaquim Barbosa é o tom irascível que demonstra em seus votos, do que o julgamento da AP 470 -mensalão- foi exemplo. Indignação e passionalidade vão bem na carreira antiga de Joaquim, o Ministério Público Federal, mas não no Supremo Tribunal Federal.

Claro, é difícil- o juiz também é um ser humano. Mas há que refrear as próprias inclinações pessoais, doloroso que seja isso, quando se estão em jogo direitos e garantias fundamentais.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Pelos direitos dos animais

No último post falamos em Peter Singer, filósofo da escola utilitarista. Singer é autor de "Libertação Animal" (Animal Liberation, 1975), um clássico na defesa dos direitos dos animais. Fico feliz que a comunidade jurídica nacional esteja, cada vez mais, encampando essa luta, como se vê neste recente texto de Lenio Streck.

sábado, 15 de junho de 2013

"... há algo de errado nisso"

Do filósofo australiano Peter Singer:

Quando pagamos um salário alto a uma pessoa para programar um computador e um salário baixo a outra para limpar um escritório, na prática estamos pagando mais para quem tem o QI maior. Isso significa que pagamos as pessoas por algo determinado em parte antes de elas nascerem e, quase totalmente, antes de chegarem a uma idade em que sejam responsáveis por seus atos. Do ponto de vista da justiça e da utilidade, há algo de errado nisso.

Trata-se exatamente da constatação, historicamente feita pelos marxistas, da oposição entre trabalho braçal e trabalho intelectual na sociedade de classes. Singer não é marxista, e nem precisa sê-lo para perceber que, de um ponto de vista de justiça e utilidade, tal discriminação é errada.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Tem a ver com a mercantilização da vida

Bukowski, in "Dinosauria, we" ("Nós, dinossauros", tradução de Fernando Koproski):

nascemos nisso
em hospitais tão caros que é mais barato morrer
em advogados que cobram tanto que é mais barato se declarar culpado
num país onde as cadeias estão lotadas e os hospícios fechados
num lugar onde as massas promovem idiotas a heróis ricos.

Tem a ver com a mercantilização da vida falada no post anterior. Mas hoje em dia, o que é que não tem?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

"Está se pervertendo uma atividade que é basicamente humana"

Entrevista no último domingo, n'"O Globo", com o médico Luiz Roberto Londres:

Tudo o que aprendi eu devo à medicina pública e beneficente. Era o orgulho dos médicos o trabalho público, de ensino, pequisa e beneficente. Medicina é uma missão. Hoje a gente vê que outras dimensões estão sendo mais valorizadas que as pessoais: tamanho, empresa, dinheiro, conglomerados. Está se pervertendo uma atividade que é basicamente humana.

Íntegra aqui. Isto é o capitalismo: valores transformados em moeda, vida transformada em negócio. O mesmo vale (com trocadilho) para a educação etc. E, sendo impossível um capitalismo "humanizado", é evidente que não há solução para a Humanidade senão a superação da forma de produção capitalista.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Sozinho no topo da montanha"

Lendo Kerouac em ritmo vertiginoso, como é sua própria escrita. O que ele chama de prosa "espontânea", "(...) The Subterraneans em três noites- escrevi On the Road em três semanas". "Sozinho no topo da montanha" ("Alone on a Mountaintop", tradução de Eduardo Bueno, L&PM) me lembra Thoreau: o isolamento em uma cabana no meio do nada e as meditações em torno da natureza. Gostaria de passar uma experiência do tipo, ao menos uma vez na vida, apenas na companhia invisível de Avalokitesvara, o Urso Primordial, mas acho que ainda sou muito animal urbano para isso.

terça-feira, 4 de junho de 2013

A LIT e a Síria, rápido comentário

Nesta declaração (aqui), a LIT- Liga Internacional dos Trabalhadores, assim se posiciona sobre os eventos na Síria:

A LIT-QI, desde o início da revolução, expressa um apoio sem condições à revolução síria, independentemente de sua direção, e sustentamos que a bandeira central dos ativistas e lutadores/as honestos/as e da esquerda deve ser, mais que nunca: Fora Assad, não à intervenção imperialista e sionista! Todo apoio para o triunfo da revolução!

O grifo é meu. "Independentemente de sua direção", ora, que temeridade dizer algo assim! Cai em contradição quando diz, a seguir, "não à intervenção imperialista e sionista". Afinal, se não importa o caráter da direção, ser imperialista ou sionista é mero detalhe. Ou é apenas uma confusão retórica? Mas não fica nisso. Vejamos, ainda:

Neste sentido, é necessário exigir de todos os governos do mundo, começando por aqueles países da região que são parte da revolução, como Egito, Tunísia ou Líbia, que rompam relações diplomáticas e comerciais com a ditadura de Assad e que enviem aviões, tanques e armas pesadas, medicamentos, alimentos e todo tipo de apoio material para as milícias rebeldes, para que estas possam derrotar e acabar com este regime que oprime o povo sírio e que mostrou ser uma garantia fiel dos interesses de Israel e dos Estados Unidos.

A primeira pergunta que se faz: a quem exatamente a LIT faz o apelo? A "todos os governos do mundo", que não sigam os interesses de Israel e EUA. A dificuldade já nasce aí. A LIT faz apelo a algum Estado Operário? Mas salvo Cuba e Coréia do Norte, essa sob degeneração gravíssima, já não há Estados Operários, e a LIT sequer os reconhece como tal. E os países que tensionam com os EUA, como Venezuela e Irã, também não nutrem a simpatia dos morenistas. A pergunta fica em aberto: quem virá ao socorro dos "rebeldes" sírios? O texto cita nominalmente Egito, Tunísia e Líbia, mas tais países estão sob a chancela da OTAN ou em tensão com o poder militar, de modo que não são aptos para oferecer ajuda. Seriam, caso a classe trabalhadora desses países não tivesse sido alijada do processo. A "revolução do Nilo" foi um movimento popular que, em dado momento, foi encampado pelo imperialismo internacional, derrubando ele próprio seus aliados -de Kadafi a Mubarak- que já não serviam. A falta de uma direção revolucionária -lembremos o "Programa de Transição"- impediu que se chegasse a uma situação, de fato, revolucionária.

Quem ajudaria, então? A União Européia..? Pano rápido.

Ah, sim, usei aspas para "rebeldes". A própria LIT, no texto indicado, reconhece as contradições envolvidas no processo (inclusive a disputa sectária religiosa, conforme Robert Fisk lembra neste texto). "Rebeldes", aqui, inclui sionistas e imperialistas, o Exército Livre da Síria, milícias islâmicas, setores da classe trabalhadora síria. É complexo. Muito. Mas para a LIT, não importa quem está na direção!

Leon Trotsky, em "Combater o imperialismo para combater o fascismo", de setembro de 1938, escrevia:

Realmente, pode alguém acreditar, por um momento sequer, que Chamberlain, Daladier ou Roosevelt são capazes de declarar uma guerra para defender o princípio abstrato da "democracia"? Se o governo britânico amasse tanto a democracia, teria dado a liberdade à Índia. E o mesmo com a França. A Grã-Bretanha prefere a ditadura de Franco na Espanha à dominação política dos operários e camponeses, porque Franco pode ser um agente do imperialismo britânico muito mais complacente e de confiança.

A LIT dirá que Assad, justamente, está no papel de Franco. Mas isso não explica porque os EUA e o sionismo (também) querem derrubá-lo. É o atoleiro de contradições onde a LIT se enfiou.

sábado, 1 de junho de 2013

Ultraesquerdismo, ou "complexo de vestal"

Começando junho, Cannon contra o sectarismo:

O ultraesquerdismo é um vírus terrível. Prospera melhor em movimento isolado das massas, que não tem nenhum corretivo destas (...) Quanto menos gente os escuta, quanto menos efeitos têm suas palavras sobre o curso dos eventos humanos, mais extremos, irracionais e histéricos são em suas formulações.

Em "História do Trotskismo Norte-americano" (aqui). É fantástico que o "complexo de vestal" (isto é, a convicção de ser o único "puro" e "imaculado" revolucionário verdadeiro) subsista mesmo diante de tantas admoestações. Os sectários, aqueles que simplificam a realidade para não cair em tentação, como diz Trotsky, não se emendam. O ultraesquerdismo muitas vezes é puro oportunismo. Porém ainda acho que, entre dois extremos -o esquerdismo e o direitismo-, isto é, entre a doença infantil e a doença senil, essa última é pior.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Entre bretões e saxões

Entre bretões e saxões, na história inglesa, gosto de ambos. Uns, sofisticados e romanizados, donos da ilha; outros, invasores bárbaros passando o rodo. Fatos há séculos e quilômetros de distância mas que mexem conosco, em um nível emocional, digamos assim, e se você acredita em vidas passadas (já acreditei, hoje não mais, mas tive minha cota de causos) faz todo o sentido do mundo. A trilogia de Artur do Bernard Cornwell é boa. Agora pretendo ler, tendo tempo, as "Crônicas Saxônicas".

Como quer que seja, e ficando dentro do espírito, que interessante a história do Reino de Gwynedd em Gales.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

É preciso mais que xingar o prefeito

E eis que Eduardo Paes, cuja saída da prefeitura do Rio é desejo ardente do blog (aqui), se envolve em confusão, dando um soco (!) em um cidadão que lhe xingara de "bosta" (aqui, aqui). O alcaide deveria saber que o homem público (?) está, necessariamente, na berlinda; atrai manifestações e opiniões, muitas vezes desagradáveis. É o preço do cargo e, mais do que isso, o preço das escolhas políticas adotadas. Um prefeito como Eduardo Paes não pode achar que merece tapetes vermelhos por onde anda. Em outros momentos e circunstâncias, aliás, apenas ser chamado de "bosta" seria lucro ("Se essa palhaçada fosse na Cinelândia/ Ia juntar muita gente pra pegar na saída", como cantaram os Paralamas, numa música que depois do lulismo no poder adquiriu tristes cores irônicas).

Há outra coisa, chamada compostura. Elemento indispensável para a vida em sociedade, é exigida ao quadrado do homem, de novo, "público". Como autoridade (!) maior da cidade, Eduardo Paes anda acompanhado de seguranças. As matérias que noticiaram o fato confirmam isso. É fácil a um homem, com um séquito assim, afastar um agressor, de forma, digamos, limpa- sem tumulto ou alvoroço. Mas não. Paes, talvez para mostrar que "é homem", partiu ele mesmo pra cima do sujeito, apesar de garantido por seguranças. Aí já é linchamento. Cercado pelos brutamontes, o cidadão sequer poderia revidar. Cenas lamentáveis, pois, violência-pastelão digna do Rio de Janeiro de Eduardo Paes.

Ah, mas o cidadão tem o direito de xingar o prefeito que, naquela ocasião, era um cidadão em momento privado, jantando com a esposa? Antes de mais nada, o mandato acompanha o político. Não deixa de ser prefeito por estar jantando com a família, e a presença dos seguranças é exemplo disso. Segundo, o mero xingamento, como dito acima, pode mesmo ser pouco, conforme o grau de distensão social do momento. A questão, aqui, é outra: se meramente xingar o prefeito ajuda em alguma coisa. Assim como o terrorismo individual é inócuo para a emancipação da classe trabalhadora (conforme os marxistas denunciamos reiteradamente, vide aqui), esse tipo de protesto é vazio. Afastar Eduardo Paes e os interesses que representa da prefeitura do Rio de Janeiro (o que é apenas uma pequena parcela do problema) requer um amplo trabalho de conscientização das massas (coisa, aliás, de que o "agressor" talvez sequer tenha interesse, pois desconheço sua posição no espectro ideológico). Xingar o prefeito por si só é inútil, portanto. Mas lava a alma, ah, como lava.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

E é por isso que a prosa de Bukowski

A diferença entre Henry Miller e Charles Bukowski é que, se ambos comeram o pão-que-o-diabo-amassou, Bukowski se importava mais. Miller aparece como que protegido por sua aura de egoísmo (que Anaïs Nin atesta) e com o curioso dom de encontrar apoiadores ao redor do mundo. Vendia bem seu peixe, na medida do possível. Bukowski sofria mais. Acusava mais os golpes e encarnava o alcoólatra semi-lumpem dos seus textos, emoção demais para botar pra fora mas sem encontrar a forma adequada para tal. Daí se autodestrói, é o que resta. Miller sente a mesma coisa, mas sofre menos. Por sofrer mais, Bukowski adota a imagem de durão, uma defesa, naturalmente, e é por isso que a prosa de Bukowski é mais grosseira que a de Miller. Miller, perto do Dirty Old Man, é um cavalheiro.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

"Precisamos de um herói para proteger os derrotados..."

Bukowski, dos "pedaços de um cadernos manchado de vinho":

precisamos de um herói para proteger os derrotados, um Quixote dos moinhos de vento, aqui e agora, e depois de pensarmos tê-lo descoberto, será tarde demais para vê-lo engajado contra o inimigo, sorridente e tocando o chapéu, como se nos considerasse um bando de idiotas por acreditar nele, e realmente éramos.

Pois é, somos idiotas por acreditar em heróis. Há que superar o vício infantil, do qual inclusive "marxistas" -aspas propositais- são vítimas, vide o apelo dos "guias geniais" de todo tipo. Mas venceremos. Sem "heróis".

domingo, 19 de maio de 2013

Desenvolver a ciência, mas também (e principalmente) o homem

Hoje mais cedo, Syfy Channel. Coisas incríveis, geringonças e parafernálias que mostram o quanto a Humanidade tem progredido. Coisas de ficção científica à disposição do mercado em dez, cinco anos no máximo. Não só para nossos netos, mas aqui e agora.

E nós, das Ciências Humanas e Sociais (Direito inclusive)? Também temos nosso papel nessa evolução. Não bolando geringonças ou descobrindo a nova equação, mas ajudando o ser humano a se descobrir. Afinal, a técnica não prescinde da consciência que lhe manuseia, e é justamente aí o nosso campo- o educador também é educado, conforme a Terceira Tese Sobre Feuerbach, o mundo é um dado objetivo mas não "pronto" ou "acabado". Sofre a ingerência humana. E quem é esse homem? É aí que está nossa tarefa -compreender e dotar esse homem de recursos para sua autoemancipação-, tarefa essa que, entendo eu, necessariamente está inserida na luta anticapitalista, na perspectiva de construção do socialismo visando ao comunismo futuro, à luz do marxismo revolucionário.

terça-feira, 14 de maio de 2013

PT: bonapartismo, não frente popular

Na polêmica entre PSTU e MNN (aqui e aqui, respectivamente), a posição do último sobre o caráter do governo lulodilmista:

A caracterização feita pelo PSTU de que os governos Lula e Dilma seriam de Frente Popular baseia-se na definição do PT como um partido operário que governa em aliança com setores da burguesia. Ou seja, o governo do PT estaria em disputa entre a classe operária e a classe burguesa. A caracterização feita pelo PSTU concede excessivamente ao PT, conferindo-lhe um caráter operário o qual ele não possui.

É exatamente como penso, como disse aqui e aqui. O PT é um partido burguês com influência de massas (posição também da Liga Comunista). No governo, tem caráter bonapartista. Não é uma frente popular (como também acha a LBI), pois isso pressupõe disputa com setores operários, quando, na verdade, não há setores operários influindo no governo.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Enquanto houver capitalismo, haverá escravidão

Treze de Maio, abolição da escravatura- mas a pergunta continua, houve mesmo abolição? Preconceito de cor e exploração ainda são realidades, no Brasil e no mundo. E continuarão a ser na sociedade de classes. O combate ao racismo, portanto, anda junto com o combate à opressão de classe, que no capitalismo atingiu o paroxismo. Todas as lutas específicas -de cor, gênero, estudantil, ecológica- precisam estar inseridas na luta maior anticapitalista.

Quanto maior a opressão imposta a dado segmento social, maior a necessidade de engajamento na luta. Quando, em 1932, camaradas negros da África do Sul travaram contato com a Oposição de Esquerda (Bolchevique-Leninista), Trotsky, em circular interna, lembrou que a "palavra decisiva para o desenvolvimento da Humanidade" pertence às camadas do proletariado sob opressão de cor, duplamente exploradas na sociedade capitalista (aqui).

Não percamos isso de vista. A abolição da escravidão ainda está na ordem do dia.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Maioridade penal, estupro- e individualismo

Causa comoção o novo episódio de violência na cidade, o estupro cometido durante um assalto a ônibus (aqui, aqui). O fato do criminoso ser menor aumenta o clamor público pela redução da maioridade penal, discussão na berlinda em razão do recente assassinato de um universitário, também em um assalto, por um menor, em São Paulo (aqui).

A redução da maioridade penal é assunto complexo, e me reporto a este post, onde aprofundo um pouco -mas apenas um pouco- o tema. Desde já há que lembrar que não se reduz criminalidade na base da canetada ou do recrudescimento da política criminal. Assunto complexo que é, o "crime" pressupõe soluções -se é que se pode falar em soluções- complexas.

O que causa espanto no episódio do estupro, para além do próprio ato abjeto de estupro, é o fato de nenhum dos passageiros ter agido no sentido de deter o criminoso. É claro que não se deve reagir diante de indivíduos armados; mas será que a dinâmica dos fatos não permitiria que alguém interferisse? Afinal, era apenas 1 (um) sujeito, com um revólver, concentrado em um estupro (!) à vista dos demais passageiros. Não havia homens naquele veículo, alguém com coragem o bastante para agarrar o meliante? Repito que ninguém deve tentar bancar o heroi. Mas o fato, ao menos como passado pela mídia, dá a entender que as coisas poderiam ter sido diferentes. Parece-me outro sintoma do individualismo reinante: ninguém quer se meter, ninguém quer se envolver. Se não é conosco, tudo bem. Cada um por si e deus por todos.

Lançamento da revista "Palestina Resiste"

Ajudando na divulgação. Extraído aqui.

15 DE MAIO - LANÇAMENTO DA REVISTA "PALESTINA RESISTE"

VENHA PARTICIPAR DESTE ATO DE SOLIDARIEDADE COM A RESITÊNCIA ANTIMPERIALISTA E ANTISIONISTA ÁRABE!

No dia 15 de Maio, durante a exposição Nakba - a tragédia palestina, haverá o lançamento da revista PALESTINA - resiste. Às 18 horas, no Fórum de Ciência e Cultura -UFRJ- Átrio do Palácio Universitário- Praia Vermelha- Rio de Janeiro

terça-feira, 30 de abril de 2013

Pós-modernismo, ou tudo é qualquer coisa

Lenio Streck, aqui, cita uma fala do russo O.V. Vainshtein a propósito do pós-modernismo, verbis:

Sob o signo de pós-modernismo pode-se não apenas ver performances e poesia escrita, como também fazer panquecas, vestir roupas extravagantes, fazer sexo e brigar, além de arrolar como predecessor qualquer autor que se queira o panteão da cultura mundial, de Marquês de Sade a Santo Agostinho. (...) O que importa para o pós-modernismo não é a profundidade nem a intensidade, mas o deslizar sobre a superfície, o optar entre vários significados (...) Profundamente pós-modernista, nesse sentido, é a imagem do passeio veloz pelos canais de televisão com um aparelho de controle remoto, consistindo o prazer do telespectador, em grande medida, no próprio apertar dos botões — atividade que propicia uma agradável sensação de poder sobre a imagem na tela e que no campo da estética visual promete inesperados efeitos de montagem.

Observamos com muita frequência essa confusão de significados, sentidos e valores no campo da esquerda. Desde a queda do Leste Europeu e do "fim da História" vive-se em crise ideológica, a ponto do próprio conceito "esquerda" ser contestado como algo não mais pertinente. O PCdoB da ANP dos leilões de petróleo e do código florestal pró-ruralistas se reivindica o partido do socialismo (sic), por exemplo; a mesma turma enxerga na China um modelo e, nos States, a direita republicana se opõe à ajuda governamental a Wall Street por tal ajuda ter caráter socialista (!), e portanto não-americano (episódio citado por Zizek em "Primeiro como tragédia, depois como farsa"). Uma grande mixórdia: tudo é qualquer coisa, e muito pelo contrário- ou não.

Nesses tempos de confusão ideológica (apenas ideológica, pois, concretamente, a questão central de nossos tempos permanece sendo a luta entre capital e trabalho, a história das sociedades até hoje tem sido a história da luta de classes, como está no "Manifesto", e ainda é assim), como podemos nos resguardar contra o "neodiscurso"? Trotsky dá a resposta, mais do que nunca atual, aqui:

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar à suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.

Grifei. Contra o "neodiscurso", nos agarremos ao "velho" discurso, que de velho não tem nada.

sábado, 27 de abril de 2013

O cuspe do diabo

Vocês, cristãos, que se referem, como já ouvi, ao álcool como sendo o "cuspe do diabo", vocês, cristãos, precisam ler melhor seus livros sagrados. Ah, que tenho aqui "Provérbios", 31: 6,7:

Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de espírito. Que beba, e esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se lembre mais.

O goró para afogar as mágoas, portanto, até em linguaguem bíblica. Decerto mágoas precisam ser vencidas -e não disfarçadas ou camufladas- mas alívios, mesmo temporários, são inestimáveis. É a tônica de Heaven Knows I'm Miserable Now do The Smiths. A dor lá no fundo mas... rimos durante a bebedeira. Santo cuspe.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Ter um pouco mais de 'consciência crítica'..."

Excelente o seguinte trecho de David Foster Wallace, em "Isto é água" ("This is water", 2005), que inspirou o título deste blog. É uma lição contra o pensamento binário e dogmático.

Estou querendo dizer que o verdadeiro significado do mantra do 'ensinar a pensar' nas ciências humanas tem a ver com isso: ser um pouco menos arrogante, ter um pouco mais de 'consciência crítica' a respeito de mim mesmo e minhas certezas… pois no fim das contas uma porcentagem enorme das coisas a respeito das quais estou inclinado a automaticamente ter certeza acaba se revelando ilusória ou completamente equivocada.

Consciência crítica! Apenas isso, mas quão longe estamos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Para o aniversário de Ilitch

O dia 22/ 04 é o dia do descobrimento (sic) do Brasil, mas também é a data do nascimento de Lênin, no longínquo ano de 1870. Homenageamos aqui a data com a lembrança de seu legado, com as palavras de Trotsky a propósito de seu falecimento em 1924 (aqui):

Lenine já não existe, mas temos o leninismo. O que havia de imortal em Lenine - os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo - vive em nós, neste Partido que criou, neste primeiro Estado operário à cabeça do qual se encontrou e que ele dirigiu (...) Como avançaremos a partir de agora? Com o facho do leninismo na mão.

sábado, 20 de abril de 2013

Encarar o passado, projetar o futuro

Na surdina, o PPS e o PMN se fundem no "Mobilização Democrática", nova (sic) legenda na sopa de letrinhas da democracia institucional burguesa. Mais do mesmo jogo eleitoreiro, não fosse o detalhe insólito que faz a festa dos provocadores: o PPS teve origem no PCB. Parece desmoralizante, aos olhos dos binários e simplistas, que o grupo de Roberto Freire tivesse origem em um partido fundado sob o marxismo e o leninismo.

Não se pode negar que o PCB, fundado em 1922 e prestes a realizar seu XV Congresso, em 2014, passou por desvios ao longo de sua existência. O stalinismo a partir de fins dos anos 20, o kruschevismo, a decadência ideológica ao longo dos anos 80, em decorrência da crise do Leste europeu; tudo isso faz parte da história, não para ser apagado, mas, ao contrário, para que sirva de elemento de autocrítica visando ao aperfeiçoamento. Por mais doloroso que seja o PCB ter gestado em seu interior o PPS (e, também, o PCdoB de hoje), não se pode projetar o futuro sem encarar, resolutamente, o passado. Daí Gramsci:

O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um 'conhece-te a ti mesmo' como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício de inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.

A esquerda, principalmente a marxista -o marxismo da "crítica da crítica" ("A Sagrada Família")- não pode prescindir desse inventário, desse ajuste de contas com o passado. Não para uma eterna autoflagelação e sim, como dito, para evitar os mesmos erros no futuro.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Informação de mais, tempo de menos

Aproveitando uma brecha na tarde de ontem para procurar alguns assuntos: o "Dogma e Ritual da Alta Magia" de Eliphas Levi, Percy Shelley, Giordano Bruno, cainismo. Quase nenhuma relação entre si, mas uma coisa puxa a outra. É fascinante que os assuntos mais díspares estejam à disposição, a um (lá vai clichê) mero toque de botão. Lancemos no Google e lá estará tudo, sem que necessitemos nos deslocar à biblioteca mais próxima. Gosto do ambiente de biblioteca: o cheiro dos livros, o ar austero que é inevitável, o silêncio. Mas aqui, na cadeira defronte ao computador, temos uma autonomia que a biblioteca não pode dar.

Informação temos de sobra, portanto. Falta é o tempo para aprofundamento. Ars longa vita brevis. Já escrevi, no blog antigo, um post sobre este paradoxo: como, ao lado do excesso de informação, há o subaproveitamento dessa informação. Não conseguimos digerir tudo, por falta de tempo ou, o que é pior, falta de interesse.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pela autodeterminação do povo norte-coreano

Neste link, análise da LER-QI sobre a Coreia do Norte. Ali, o país é definido como Estado Operário deformado, isto é, aquele que, diferentemente do "degenerado", é burocratizado ab ovo. Já nasce defeituoso. A LIT, por sua vez, adotando o mesmo diagnóstico usado para Cuba, entende que o país é um ex-Estado Operário, atualmente uma ditadura militar capitalista (aqui).

Qualquer que seja o diagnóstico, deve haver um consenso entre todas as tendências que se pretendam, não digo nem marxistas revolucionárias, ao menos minimamente progressistas: é preciso repelir quaisquer tentativas, por parte dos imperialistas e seus asseclas, de ataque militar ao país. Afinal, a autodeterminação dos povos, além de um princípio do internacionalismo proletário, é também fundamento do Direito Internacional, por mais que a comunidade internacional, EUA à frente, não seja lá tão zelosa assim.

terça-feira, 16 de abril de 2013

PCB saúda a vitória de Maduro

Abaixo, nota do Partido Comunista Brasileiro (retirada aqui) saudando a recente eleição de Maduro- sob protestos da inconformada direita internacional.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) saúda o povo venezuelano pela correta decisão de seguir seu caminho revolucionário e anti-imperialista ao conceder a vitória eleitoral ao candidato Nicolás Maduro nesse último domingo (14 de abril). Em meio ao cerco midiático internacional, às sabotagens do imperialismo e da direita venezuelana, mais uma vez o povo venezuelano demonstrou seu desejo de avançar no processo de transformações iniciado com o comandante Hugo Chávez. Assim como os camaradas do PCV, entendemos que mais do que nunca é hora de aprofundamento da mobilização popular e da organização dos trabalhadores no sentido de garantir a vitória nas urnas e as conquistas realizadas até agora, avançando para a superação do Estado burguês. Somente o povo organizado e mobilizado será capaz de derrotar as maquinações golpistas - atuais e futuras - da direita e do imperialismo, para avanço do processo revolucionário rumo ao socialismo. O povo venezuelano conta com nossa solidariedade!
Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Neste momento de comemoração não se pode esquecer, todavia, que é imprescindível que o processo avance. Fugir de qualquer conciliação com a burguesia, inclusive a "nacional", manter o enfrentamento ao imperialismo, manter e aprofundar as conquistas sociais dos últimos anos, fomentar o poder popular e autodeterminação da classe trabalhadora venezuelana, combater personalismos e o culto à personalidade dos dirigentes; isso é fundamental para que o processo bolivariano faça jus ao nome de revolução.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Crime de rico x crime de pobre

Muito boa a fundamentação desta sentença (íntegra aqui):

Percebe-se uma escancarada preferência legislativa em criminalizar os autores de crimes contra o patrimônio – em sua grande maioria pobres, pouco escolarizados, socialmente mais débeis – enquanto se imunizam comportamentos típicos de indivíduos pertencentes às classes dominantes, como a sonegação fiscal, que não pode mais ser admitida. E, em se tratando de um Estado Social e Democrático de Direito, como o propugnado pela Constituição de 1988, em que vige um Direito Penal supostamente igualitário, é tarefa do magistrado contornar as seletividades e discriminações à luz dos princípios que o regem, em especial o princípio da isonomia.

No caso, a magistrada, ao julgar um furto simples, lhe aplica o mesmo tratamento, benéfico, dado a crime tributário, com a consequente extinção de punibilidade- a analogia "in bonam partem". Medida excelente, afinal nada justifica que o "crime de rico" tenha benesses que sejam negadas ao "crime de pobre". Não podemos nos cansar de denunciar o caráter de classe do Direito que, não obstante, pode ser instrumento no combate a essa mesma discriminação de classe- vide o nosso "O Direito como ferramenta de transformação", aqui.

domingo, 14 de abril de 2013

Domingo de chuva, guerra- e Deus

Domingo chuvoso, aproveitar para ver A lista de Schindler. Liam Neeson e Ralph Fiennes são monstros, o enredo, baseado em fatos reais, impressionante. A 2ª Guerra Mundial é um manancial de histórias: do hediondo ao heroico, podemos encontrar de tudo ali. E como marcou a era contemporânea! Exupéry, citado nos dois últimos posts, foi abatido na guerra. Não se pode falar na história do século XX sem falar dela, que foi mesmo mundial, do círculo polar ártico ao deserto do Saara, passando pelas selvas do Pacífico Sul. E, diante da guerra, os sensíveis podem perguntar, "onde está Deus?". Mas não há quem responda.

Por falar em Deus, também neste domingo assisti a alguns programas sobre vida selvagem. Deus está ali, se me perguntassem: Deus é a própria complexidade da vida. Porque, se há algo divino, é aquela onça-pintada, do Mato Grosso, que, mesmo cega desde filhote, sobe em árvores e pesca no rio como se não a fosse. O instinto, em milênios de evolução, supre a ausência da visão. Isso é o milagre.

sábado, 13 de abril de 2013

Vôo noturno

Falei em Saint-Exupéry no último post. Agora torno a ele: neste exato momento releio seu "Vôo noturno". Piloto como era, Exupéry só poderia, naturalmente, dedicar suas obras à aviação. E a aviação, com o perdão dos demais ofícios, não é uma profissão qualquer. Não é em qualquer profissão que se navega entre o Sagitário e a Ursa Maior, que se observa do alto, no escuro, os oceanos, que se se perde, enfim, na noite de ciclones. O que é a Advocacia perto disso? Nós, aqui, redigindo petições e declamando da tribuna, parecemos uma coisa mesquinha.

Em particular, a cena em que a esposa do piloto Fabien liga para o posto em busca de informações sobre o marido é triste de doer. Prepara o desjejum, o banho; mas Fabien demora em aparecer. Ora, o vôo de Commodoro a Trelew leva apenas duas horas; há seis que Fabien não dá notícias. A pobre mulher, preocupada, entra em contato com os superiores de seu marido, apenas para descobrir que sabem tanto quanto ela. É uma noite de tempestade... O avião falha, os sentidos enganam, tudo é treva profunda... Por onde andará Fabien? E ficamos cá em vigília com a pobre esposa.

Exupéry não é só "O Pequeno Príncipe". Se fosse só isso já seria, convenhamos, grande. Mas há muito mais.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Onde o trabalho da enxada não tem sentido

Diz Exupéry, no "Terra dos Homens":

Queremos ser libertados. O que dá uma enxadada no chão quer saber o sentido dessa enxadada. E a enxada do forçado, que humilha o forçado, não é a mesma enxada do lavrador, que exalta o lavrador. A prisão não está onde se trabalha com a enxada. Não há o horror material. A prisão está onde o trabalho da enxada não tem sentido, não liga quem o faz à comunidade dos homens. E nós queremos fugir da prisão.

Sem perceber, Exupéry, que não era marxista, explica um conceito caro aos marxistas- o da alienação. Alienação, "alheamento", é justamente isto: não se identificar com o trabalho, com o mundo, sentir-se um estranho diante das tarefas do cotidiano. Alienação é quando a vida não tem sentido, quando não se identifica com ela mesma. Adam Schaff, ao tratar da alienação no processo do trabalho, diz que a mesma "baseia-se no fato de que o trabalhador sente esse processo como obrigação (...) por essa razão, o homem foge ao trabalho quando pode, é infeliz quando trabalha e apenas sente a si mesmo fora do trabalho" (in "O marxismo e o indivíduo"). A alienação se verifica de várias formas: não apenas no trabalho, como na religião, no nacionalismo etc. e, como Schaff frisa, ainda existirá no socialismo que, obviamente, não é a panaceia das mazelas humanas nem o paraíso na terra. Daí, prossegue Schaff, a luta contra a alienação ser "uma luta pela liberdade do homem, em que o homem se torna dono e consciente de seu destino".

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Fora Eduardo Paes!

Hoje, uma boa notícia, extraída aqui:

Ação pede punição de Paes

Por Constança Rezende. Rio- O Ministério Público do Rio pediu nesta quarta-feira a perda de função pública e suspensão por cinco anos dos direitos políticos do prefeito Eduardo Paes e de seu secretário de governo, Rodrigo Bethlem, além do pagamento de multa de até 100 vezes o valor de suas remunerações pelo recolhimento compulsório de moradores de rua adultos. Na Ação Civil Pública, o MP acusa as autoridades de improbidade administrativa e de descumprirem princípios constitucionais no Choque de Ordem. Segundo o promotor Rogério Pacheco Alves, da 7ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania, a prefeitura não obedeceu o TAC firmado ano passado, que impedia a prática. “É uma ousadia descumprir medidas desse termo que previa, por exemplo, a criação de programas de reinserção no mercado de trabalho e novos abrigos”. Segundo o promotor, inspeções do MP constataram estado de insalubridade e uso de violência nos abrigos da Prefeitura. Em outra ação, MP pediu indenização de R$ 50 mil por morador de rua internado compulsoriamente.

É muito provável, diante do poder econômico e político, que essa ação civil pública não dê em nada. Não acredito que venha a ter algum resultado. Mas é preciso denunciar e combater, por todos os meios cabíveis, o governo do fascista "choque de ordem", da criminalização do trabalhador informal, das mega-obras que enriquecem as empreiteiras sem nenhuma contrapartida social, dos lobbies das máfias de ônibus. Além de tudo, um governo prepotente e arrogante- como se vê na matéria, sequer respeitou ao TAC -termo de ajustamento de conduta, art. 5º, § 6º da lei 7.347/ 85, que tem eficácia de título executivo extrajudicial- realizado com o Ministério Público. O Governo Paes não respeita a ninguém, mesmo; muito menos ao povo. Aliás, esse mesmo "povo" reelegeu Paes em 2012 em primeiro turno (!), o que é prova, lamentavelmente, da mais cabal ausência de interesse político por parte dos cariocas.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Karl Radek na prisão

As práticas do stalinismo são boas fontes de riso- mas um riso amargo, do tipo "rir para não enlouquecer" de Voltaire. Veja-se esta anedota sobre Radek, condenado no Segundo Processo (sic) de Moscou:

At a camp in Siberia, three prisoners are discussing why they have been condemned to the Gulag. The first says he is there for saying that Karl Radek is a counter-revolutionary; the second responds with surprise: "I am here for saying Radek is not a counter-revolutionary." They then turn to the third man, to ask why he is there. He replies: "I am Karl Radek."

Sobre Radek, "o mais satânico" dos dirigentes do Comintern, nas palavras de Victor Serge, aqui

terça-feira, 9 de abril de 2013

Coreia do Norte e degeneração burocrática

Este link, via Fundación Andreu Nin (Nin, assassinado pela GPU stalinista em 1937, era dirigente do POUM, Partido Obrero de Unificación Marxista, cujo centrismo Trotsky elenca dentre as causas da derrota para o fascismo na Guerra Civil Espanhola, vide "The Lessons of Spain: The Last Warning", aqui), trata da Coreia do Norte. Precisamente, denuncia violações a direitos humanos no país bem como o uso de campos de concentração para fins correcionais, inclusive para delitos de opinião. É possível que as denúncias sejam verdadeiras- as fontes das denúncias, ONG's e órgãos das Nações Unidas, têm contra si a suspeita de parcialidade, mas por outro lado o próprio regime, ao se fechar em si mesmo, impossibilita a verificação dos fatos pelo restante da comunidade internacional, e, por óbvio, as versões do próprio regime não são igualmente isentas. Como quer que seja, e sem querer justificar uma coisa com outra, campos de concentração não são exclusividade da Coreia do Norte, vide por exemplo a Guantánamo dos ianques, nem a violação a direitos prisionais, triste realidade mesmo no "desenvolvido" Ocidente. Está na pauta do dia, aliás, o julgamento, aqui no Brasil, dos responsáveis pelo massacre do Carandiru (aqui).

No texto que indico acima, o articulista diz que "en Corea del Norte la economía está estatizada, y es controlada férreamente por una burocracia". Esse binômio caracteriza, corretamente, o país como um Estado Operário degenerado burocraticamente. O aspecto objetivo -planificação da economia, sem a qual não há socialismo- mais o aspecto subjetivo: quem está por trás de tal economia. Se uma casta burocrata, temos um socialismo degenerado. Socialismo pleno -na medida em que exista algo "pleno"- só existe quando há autodeterminação da classe trabalhadora, só existe diante do autogoverno dos trabalhadores.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

E morre Margaret Thatcher

A dama de ferro encontra seu termo, aos 87 anos (aqui). Como boa apóstola do neoliberalismo que foi, não merece ter a morte chorada. O capitalismo é intrinsecamente ruim (é baseado na competição e apropriação privada do trabalho alheio), mas não há nada pior que o capitalismo em sua feição neoliberal. O liberalismo clássico de Adam Smith é ingênuo e tem, a seu favor, o atenuante de pertencer a uma fase histórica anterior ao capitalismo selvagem (sua "A Riqueza das Nações" é de 1776, paralela à nascente revolução industrial). Já o neoliberalismo é cruel: é o desmanche metódico da máquina pública, das conquistas do Estado Social, é o combate ao sindicalismo, é a manutenção deliberada de desempregados, o famigerado "exército de reserva".

Foi essa a opção político/ econômica de Thatcher que, não bastasse, foi a vencedora da Guerra das Malvinas, essa infame mostra do imperialismo britânico na América do Sul. Em suma, vá pro diabo que te carregue, Maggie.

sábado, 6 de abril de 2013

"Que se eleve a cultura do povo!"

Na Cult de março, com Ratzinger na capa, entrevista com Vargas Llosa sobre seu recente "La civilización del espectáculo", ainda sem edição brasileira, no qual critica a banalidade e vulgaridade das manifestações culturais de massa dos dias de hoje. Não sou fã de Vargas Llosa; li apenas o "Pantaleón e as visitadoras", e achei muito inferior aos "Cem anos de solidão", do seu rival Gabriel García Márquez, que li mais ou menos na mesma época. Além disso, repudio o seu direitismo. Mas Vargas Llosa não deixa de ter razão quando critica a "vulgarização da alta cultura". Por outro lado, e isso me parece reflexo de seu direitismo, o peruano "defende a cultura como patrimônio da elite, declarando que o único modo possível de democratizá-la é nivelando-a por baixo, empobrecendo-a e tornando-a superficial" (a íntegra da entrevista pode ser lida aqui).

Maiakovsky, já na Rússia dos anos 20, dá outra solução. Em sua resposta ao burocratismo crescente nas artes, que o acusava de ser "incompreensível para as massas", disse: "que se eleve a cultura do povo!". Não se trata, pois, de "rebaixar" a arte, e sim, ao contrário, de "levantar" o gosto popular. Ademais, deve-se rejeitar o elitismo que vai negar à classe trabalhadora a aptidão para a "boa" arte, como também o preconceito que vai incidir sobre as manifestações populares, como se não pudessem ser, elas também, "boa" arte. As aspas são porque, claro, nesse assunto tudo é relativo e questão de opinião.

Explicando o novo espaço

Abro este novo espaço para dar conta de uma vontade que o Nova Dialética não permite realizar: a de produzir posts curtos, mais ágeis, ou mesmo simples comentários de matérias e fragmentos alheios. O Nova Dialética, assim, será o ambiente para textos mais extensos -coisa que aliás nem era seu objetivo inicial, quando minha intenção era uma análise do cotidiano, crítica, mas com leveza-, abordagens mais profundas e melhor desenvolvimento dos temas. Não a ponto de se perder o caráter de post, todavia; o post, ao contrário de um artigo acadêmico, obedece à lógica "internáutica" da leitura rápida. O nosso desafio é fazer com que essa leitura rápida tenha um mínimo que seja de profundidade. O rápido não precisa ser sinônimo de vazio, afinal de contas- e mesmo a leitura apressada, no intervalo do trabalho ou no smartphone no ônibus apertado, pode despertar para ideias, conceitos (inclusive para discordar, o que é ótimo), estimulando o aprofundamento posterior. Mesmo no meu blog jurídico, o Juspublicista, delimito claramente os posts dos artigos jurídicos propriamente ditos: têm naturezas, objetivos, diferentes.

No Nova Dialética, então, vamos aprofundando as coisas. Aqui ficará o sucinto, a, digamos assim, pílula de reflexão. Em várias doses diárias, espero eu -se tiver tempo para tal- porque os assuntos não param de chegar. Mesmo que falemos de platitudes banais pois, não raro, a chave de tudo está no óbvio diante de nossos narizes.