"(...) as realidades mais óbvias, onipresentes e fundamentais são com frequência as mais difíceis de ver e conversar a respeito. Dito dessa forma, em uma frase, é claro que isso não passa de uma platitude banal, mas o fato é que nas trincheiras cotidianas da existência adulta as platitudes banais podem ter uma importância vital, ou pelo menos é o que eu gostaria de sugerir a vocês nessa manhã de tempo seco e agradável." (David Foster Wallace, "This is water", 2005)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Pós-modernismo, ou tudo é qualquer coisa

Lenio Streck, aqui, cita uma fala do russo O.V. Vainshtein a propósito do pós-modernismo, verbis:

Sob o signo de pós-modernismo pode-se não apenas ver performances e poesia escrita, como também fazer panquecas, vestir roupas extravagantes, fazer sexo e brigar, além de arrolar como predecessor qualquer autor que se queira o panteão da cultura mundial, de Marquês de Sade a Santo Agostinho. (...) O que importa para o pós-modernismo não é a profundidade nem a intensidade, mas o deslizar sobre a superfície, o optar entre vários significados (...) Profundamente pós-modernista, nesse sentido, é a imagem do passeio veloz pelos canais de televisão com um aparelho de controle remoto, consistindo o prazer do telespectador, em grande medida, no próprio apertar dos botões — atividade que propicia uma agradável sensação de poder sobre a imagem na tela e que no campo da estética visual promete inesperados efeitos de montagem.

Observamos com muita frequência essa confusão de significados, sentidos e valores no campo da esquerda. Desde a queda do Leste Europeu e do "fim da História" vive-se em crise ideológica, a ponto do próprio conceito "esquerda" ser contestado como algo não mais pertinente. O PCdoB da ANP dos leilões de petróleo e do código florestal pró-ruralistas se reivindica o partido do socialismo (sic), por exemplo; a mesma turma enxerga na China um modelo e, nos States, a direita republicana se opõe à ajuda governamental a Wall Street por tal ajuda ter caráter socialista (!), e portanto não-americano (episódio citado por Zizek em "Primeiro como tragédia, depois como farsa"). Uma grande mixórdia: tudo é qualquer coisa, e muito pelo contrário- ou não.

Nesses tempos de confusão ideológica (apenas ideológica, pois, concretamente, a questão central de nossos tempos permanece sendo a luta entre capital e trabalho, a história das sociedades até hoje tem sido a história da luta de classes, como está no "Manifesto", e ainda é assim), como podemos nos resguardar contra o "neodiscurso"? Trotsky dá a resposta, mais do que nunca atual, aqui:

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar à suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.

Grifei. Contra o "neodiscurso", nos agarremos ao "velho" discurso, que de velho não tem nada.

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