"(...) as realidades mais óbvias, onipresentes e fundamentais são com frequência as mais difíceis de ver e conversar a respeito. Dito dessa forma, em uma frase, é claro que isso não passa de uma platitude banal, mas o fato é que nas trincheiras cotidianas da existência adulta as platitudes banais podem ter uma importância vital, ou pelo menos é o que eu gostaria de sugerir a vocês nessa manhã de tempo seco e agradável." (David Foster Wallace, "This is water", 2005)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Pós-modernismo, ou tudo é qualquer coisa

Lenio Streck, aqui, cita uma fala do russo O.V. Vainshtein a propósito do pós-modernismo, verbis:

Sob o signo de pós-modernismo pode-se não apenas ver performances e poesia escrita, como também fazer panquecas, vestir roupas extravagantes, fazer sexo e brigar, além de arrolar como predecessor qualquer autor que se queira o panteão da cultura mundial, de Marquês de Sade a Santo Agostinho. (...) O que importa para o pós-modernismo não é a profundidade nem a intensidade, mas o deslizar sobre a superfície, o optar entre vários significados (...) Profundamente pós-modernista, nesse sentido, é a imagem do passeio veloz pelos canais de televisão com um aparelho de controle remoto, consistindo o prazer do telespectador, em grande medida, no próprio apertar dos botões — atividade que propicia uma agradável sensação de poder sobre a imagem na tela e que no campo da estética visual promete inesperados efeitos de montagem.

Observamos com muita frequência essa confusão de significados, sentidos e valores no campo da esquerda. Desde a queda do Leste Europeu e do "fim da História" vive-se em crise ideológica, a ponto do próprio conceito "esquerda" ser contestado como algo não mais pertinente. O PCdoB da ANP dos leilões de petróleo e do código florestal pró-ruralistas se reivindica o partido do socialismo (sic), por exemplo; a mesma turma enxerga na China um modelo e, nos States, a direita republicana se opõe à ajuda governamental a Wall Street por tal ajuda ter caráter socialista (!), e portanto não-americano (episódio citado por Zizek em "Primeiro como tragédia, depois como farsa"). Uma grande mixórdia: tudo é qualquer coisa, e muito pelo contrário- ou não.

Nesses tempos de confusão ideológica (apenas ideológica, pois, concretamente, a questão central de nossos tempos permanece sendo a luta entre capital e trabalho, a história das sociedades até hoje tem sido a história da luta de classes, como está no "Manifesto", e ainda é assim), como podemos nos resguardar contra o "neodiscurso"? Trotsky dá a resposta, mais do que nunca atual, aqui:

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar à suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.

Grifei. Contra o "neodiscurso", nos agarremos ao "velho" discurso, que de velho não tem nada.

sábado, 27 de abril de 2013

O cuspe do diabo

Vocês, cristãos, que se referem, como já ouvi, ao álcool como sendo o "cuspe do diabo", vocês, cristãos, precisam ler melhor seus livros sagrados. Ah, que tenho aqui "Provérbios", 31: 6,7:

Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de espírito. Que beba, e esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se lembre mais.

O goró para afogar as mágoas, portanto, até em linguaguem bíblica. Decerto mágoas precisam ser vencidas -e não disfarçadas ou camufladas- mas alívios, mesmo temporários, são inestimáveis. É a tônica de Heaven Knows I'm Miserable Now do The Smiths. A dor lá no fundo mas... rimos durante a bebedeira. Santo cuspe.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Ter um pouco mais de 'consciência crítica'..."

Excelente o seguinte trecho de David Foster Wallace, em "Isto é água" ("This is water", 2005), que inspirou o título deste blog. É uma lição contra o pensamento binário e dogmático.

Estou querendo dizer que o verdadeiro significado do mantra do 'ensinar a pensar' nas ciências humanas tem a ver com isso: ser um pouco menos arrogante, ter um pouco mais de 'consciência crítica' a respeito de mim mesmo e minhas certezas… pois no fim das contas uma porcentagem enorme das coisas a respeito das quais estou inclinado a automaticamente ter certeza acaba se revelando ilusória ou completamente equivocada.

Consciência crítica! Apenas isso, mas quão longe estamos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Para o aniversário de Ilitch

O dia 22/ 04 é o dia do descobrimento (sic) do Brasil, mas também é a data do nascimento de Lênin, no longínquo ano de 1870. Homenageamos aqui a data com a lembrança de seu legado, com as palavras de Trotsky a propósito de seu falecimento em 1924 (aqui):

Lenine já não existe, mas temos o leninismo. O que havia de imortal em Lenine - os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo - vive em nós, neste Partido que criou, neste primeiro Estado operário à cabeça do qual se encontrou e que ele dirigiu (...) Como avançaremos a partir de agora? Com o facho do leninismo na mão.

sábado, 20 de abril de 2013

Encarar o passado, projetar o futuro

Na surdina, o PPS e o PMN se fundem no "Mobilização Democrática", nova (sic) legenda na sopa de letrinhas da democracia institucional burguesa. Mais do mesmo jogo eleitoreiro, não fosse o detalhe insólito que faz a festa dos provocadores: o PPS teve origem no PCB. Parece desmoralizante, aos olhos dos binários e simplistas, que o grupo de Roberto Freire tivesse origem em um partido fundado sob o marxismo e o leninismo.

Não se pode negar que o PCB, fundado em 1922 e prestes a realizar seu XV Congresso, em 2014, passou por desvios ao longo de sua existência. O stalinismo a partir de fins dos anos 20, o kruschevismo, a decadência ideológica ao longo dos anos 80, em decorrência da crise do Leste europeu; tudo isso faz parte da história, não para ser apagado, mas, ao contrário, para que sirva de elemento de autocrítica visando ao aperfeiçoamento. Por mais doloroso que seja o PCB ter gestado em seu interior o PPS (e, também, o PCdoB de hoje), não se pode projetar o futuro sem encarar, resolutamente, o passado. Daí Gramsci:

O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um 'conhece-te a ti mesmo' como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício de inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.

A esquerda, principalmente a marxista -o marxismo da "crítica da crítica" ("A Sagrada Família")- não pode prescindir desse inventário, desse ajuste de contas com o passado. Não para uma eterna autoflagelação e sim, como dito, para evitar os mesmos erros no futuro.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Informação de mais, tempo de menos

Aproveitando uma brecha na tarde de ontem para procurar alguns assuntos: o "Dogma e Ritual da Alta Magia" de Eliphas Levi, Percy Shelley, Giordano Bruno, cainismo. Quase nenhuma relação entre si, mas uma coisa puxa a outra. É fascinante que os assuntos mais díspares estejam à disposição, a um (lá vai clichê) mero toque de botão. Lancemos no Google e lá estará tudo, sem que necessitemos nos deslocar à biblioteca mais próxima. Gosto do ambiente de biblioteca: o cheiro dos livros, o ar austero que é inevitável, o silêncio. Mas aqui, na cadeira defronte ao computador, temos uma autonomia que a biblioteca não pode dar.

Informação temos de sobra, portanto. Falta é o tempo para aprofundamento. Ars longa vita brevis. Já escrevi, no blog antigo, um post sobre este paradoxo: como, ao lado do excesso de informação, há o subaproveitamento dessa informação. Não conseguimos digerir tudo, por falta de tempo ou, o que é pior, falta de interesse.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pela autodeterminação do povo norte-coreano

Neste link, análise da LER-QI sobre a Coreia do Norte. Ali, o país é definido como Estado Operário deformado, isto é, aquele que, diferentemente do "degenerado", é burocratizado ab ovo. Já nasce defeituoso. A LIT, por sua vez, adotando o mesmo diagnóstico usado para Cuba, entende que o país é um ex-Estado Operário, atualmente uma ditadura militar capitalista (aqui).

Qualquer que seja o diagnóstico, deve haver um consenso entre todas as tendências que se pretendam, não digo nem marxistas revolucionárias, ao menos minimamente progressistas: é preciso repelir quaisquer tentativas, por parte dos imperialistas e seus asseclas, de ataque militar ao país. Afinal, a autodeterminação dos povos, além de um princípio do internacionalismo proletário, é também fundamento do Direito Internacional, por mais que a comunidade internacional, EUA à frente, não seja lá tão zelosa assim.

terça-feira, 16 de abril de 2013

PCB saúda a vitória de Maduro

Abaixo, nota do Partido Comunista Brasileiro (retirada aqui) saudando a recente eleição de Maduro- sob protestos da inconformada direita internacional.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) saúda o povo venezuelano pela correta decisão de seguir seu caminho revolucionário e anti-imperialista ao conceder a vitória eleitoral ao candidato Nicolás Maduro nesse último domingo (14 de abril). Em meio ao cerco midiático internacional, às sabotagens do imperialismo e da direita venezuelana, mais uma vez o povo venezuelano demonstrou seu desejo de avançar no processo de transformações iniciado com o comandante Hugo Chávez. Assim como os camaradas do PCV, entendemos que mais do que nunca é hora de aprofundamento da mobilização popular e da organização dos trabalhadores no sentido de garantir a vitória nas urnas e as conquistas realizadas até agora, avançando para a superação do Estado burguês. Somente o povo organizado e mobilizado será capaz de derrotar as maquinações golpistas - atuais e futuras - da direita e do imperialismo, para avanço do processo revolucionário rumo ao socialismo. O povo venezuelano conta com nossa solidariedade!
Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Neste momento de comemoração não se pode esquecer, todavia, que é imprescindível que o processo avance. Fugir de qualquer conciliação com a burguesia, inclusive a "nacional", manter o enfrentamento ao imperialismo, manter e aprofundar as conquistas sociais dos últimos anos, fomentar o poder popular e autodeterminação da classe trabalhadora venezuelana, combater personalismos e o culto à personalidade dos dirigentes; isso é fundamental para que o processo bolivariano faça jus ao nome de revolução.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Crime de rico x crime de pobre

Muito boa a fundamentação desta sentença (íntegra aqui):

Percebe-se uma escancarada preferência legislativa em criminalizar os autores de crimes contra o patrimônio – em sua grande maioria pobres, pouco escolarizados, socialmente mais débeis – enquanto se imunizam comportamentos típicos de indivíduos pertencentes às classes dominantes, como a sonegação fiscal, que não pode mais ser admitida. E, em se tratando de um Estado Social e Democrático de Direito, como o propugnado pela Constituição de 1988, em que vige um Direito Penal supostamente igualitário, é tarefa do magistrado contornar as seletividades e discriminações à luz dos princípios que o regem, em especial o princípio da isonomia.

No caso, a magistrada, ao julgar um furto simples, lhe aplica o mesmo tratamento, benéfico, dado a crime tributário, com a consequente extinção de punibilidade- a analogia "in bonam partem". Medida excelente, afinal nada justifica que o "crime de rico" tenha benesses que sejam negadas ao "crime de pobre". Não podemos nos cansar de denunciar o caráter de classe do Direito que, não obstante, pode ser instrumento no combate a essa mesma discriminação de classe- vide o nosso "O Direito como ferramenta de transformação", aqui.

domingo, 14 de abril de 2013

Domingo de chuva, guerra- e Deus

Domingo chuvoso, aproveitar para ver A lista de Schindler. Liam Neeson e Ralph Fiennes são monstros, o enredo, baseado em fatos reais, impressionante. A 2ª Guerra Mundial é um manancial de histórias: do hediondo ao heroico, podemos encontrar de tudo ali. E como marcou a era contemporânea! Exupéry, citado nos dois últimos posts, foi abatido na guerra. Não se pode falar na história do século XX sem falar dela, que foi mesmo mundial, do círculo polar ártico ao deserto do Saara, passando pelas selvas do Pacífico Sul. E, diante da guerra, os sensíveis podem perguntar, "onde está Deus?". Mas não há quem responda.

Por falar em Deus, também neste domingo assisti a alguns programas sobre vida selvagem. Deus está ali, se me perguntassem: Deus é a própria complexidade da vida. Porque, se há algo divino, é aquela onça-pintada, do Mato Grosso, que, mesmo cega desde filhote, sobe em árvores e pesca no rio como se não a fosse. O instinto, em milênios de evolução, supre a ausência da visão. Isso é o milagre.

sábado, 13 de abril de 2013

Vôo noturno

Falei em Saint-Exupéry no último post. Agora torno a ele: neste exato momento releio seu "Vôo noturno". Piloto como era, Exupéry só poderia, naturalmente, dedicar suas obras à aviação. E a aviação, com o perdão dos demais ofícios, não é uma profissão qualquer. Não é em qualquer profissão que se navega entre o Sagitário e a Ursa Maior, que se observa do alto, no escuro, os oceanos, que se se perde, enfim, na noite de ciclones. O que é a Advocacia perto disso? Nós, aqui, redigindo petições e declamando da tribuna, parecemos uma coisa mesquinha.

Em particular, a cena em que a esposa do piloto Fabien liga para o posto em busca de informações sobre o marido é triste de doer. Prepara o desjejum, o banho; mas Fabien demora em aparecer. Ora, o vôo de Commodoro a Trelew leva apenas duas horas; há seis que Fabien não dá notícias. A pobre mulher, preocupada, entra em contato com os superiores de seu marido, apenas para descobrir que sabem tanto quanto ela. É uma noite de tempestade... O avião falha, os sentidos enganam, tudo é treva profunda... Por onde andará Fabien? E ficamos cá em vigília com a pobre esposa.

Exupéry não é só "O Pequeno Príncipe". Se fosse só isso já seria, convenhamos, grande. Mas há muito mais.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Onde o trabalho da enxada não tem sentido

Diz Exupéry, no "Terra dos Homens":

Queremos ser libertados. O que dá uma enxadada no chão quer saber o sentido dessa enxadada. E a enxada do forçado, que humilha o forçado, não é a mesma enxada do lavrador, que exalta o lavrador. A prisão não está onde se trabalha com a enxada. Não há o horror material. A prisão está onde o trabalho da enxada não tem sentido, não liga quem o faz à comunidade dos homens. E nós queremos fugir da prisão.

Sem perceber, Exupéry, que não era marxista, explica um conceito caro aos marxistas- o da alienação. Alienação, "alheamento", é justamente isto: não se identificar com o trabalho, com o mundo, sentir-se um estranho diante das tarefas do cotidiano. Alienação é quando a vida não tem sentido, quando não se identifica com ela mesma. Adam Schaff, ao tratar da alienação no processo do trabalho, diz que a mesma "baseia-se no fato de que o trabalhador sente esse processo como obrigação (...) por essa razão, o homem foge ao trabalho quando pode, é infeliz quando trabalha e apenas sente a si mesmo fora do trabalho" (in "O marxismo e o indivíduo"). A alienação se verifica de várias formas: não apenas no trabalho, como na religião, no nacionalismo etc. e, como Schaff frisa, ainda existirá no socialismo que, obviamente, não é a panaceia das mazelas humanas nem o paraíso na terra. Daí, prossegue Schaff, a luta contra a alienação ser "uma luta pela liberdade do homem, em que o homem se torna dono e consciente de seu destino".

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Fora Eduardo Paes!

Hoje, uma boa notícia, extraída aqui:

Ação pede punição de Paes

Por Constança Rezende. Rio- O Ministério Público do Rio pediu nesta quarta-feira a perda de função pública e suspensão por cinco anos dos direitos políticos do prefeito Eduardo Paes e de seu secretário de governo, Rodrigo Bethlem, além do pagamento de multa de até 100 vezes o valor de suas remunerações pelo recolhimento compulsório de moradores de rua adultos. Na Ação Civil Pública, o MP acusa as autoridades de improbidade administrativa e de descumprirem princípios constitucionais no Choque de Ordem. Segundo o promotor Rogério Pacheco Alves, da 7ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania, a prefeitura não obedeceu o TAC firmado ano passado, que impedia a prática. “É uma ousadia descumprir medidas desse termo que previa, por exemplo, a criação de programas de reinserção no mercado de trabalho e novos abrigos”. Segundo o promotor, inspeções do MP constataram estado de insalubridade e uso de violência nos abrigos da Prefeitura. Em outra ação, MP pediu indenização de R$ 50 mil por morador de rua internado compulsoriamente.

É muito provável, diante do poder econômico e político, que essa ação civil pública não dê em nada. Não acredito que venha a ter algum resultado. Mas é preciso denunciar e combater, por todos os meios cabíveis, o governo do fascista "choque de ordem", da criminalização do trabalhador informal, das mega-obras que enriquecem as empreiteiras sem nenhuma contrapartida social, dos lobbies das máfias de ônibus. Além de tudo, um governo prepotente e arrogante- como se vê na matéria, sequer respeitou ao TAC -termo de ajustamento de conduta, art. 5º, § 6º da lei 7.347/ 85, que tem eficácia de título executivo extrajudicial- realizado com o Ministério Público. O Governo Paes não respeita a ninguém, mesmo; muito menos ao povo. Aliás, esse mesmo "povo" reelegeu Paes em 2012 em primeiro turno (!), o que é prova, lamentavelmente, da mais cabal ausência de interesse político por parte dos cariocas.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Karl Radek na prisão

As práticas do stalinismo são boas fontes de riso- mas um riso amargo, do tipo "rir para não enlouquecer" de Voltaire. Veja-se esta anedota sobre Radek, condenado no Segundo Processo (sic) de Moscou:

At a camp in Siberia, three prisoners are discussing why they have been condemned to the Gulag. The first says he is there for saying that Karl Radek is a counter-revolutionary; the second responds with surprise: "I am here for saying Radek is not a counter-revolutionary." They then turn to the third man, to ask why he is there. He replies: "I am Karl Radek."

Sobre Radek, "o mais satânico" dos dirigentes do Comintern, nas palavras de Victor Serge, aqui

terça-feira, 9 de abril de 2013

Coreia do Norte e degeneração burocrática

Este link, via Fundación Andreu Nin (Nin, assassinado pela GPU stalinista em 1937, era dirigente do POUM, Partido Obrero de Unificación Marxista, cujo centrismo Trotsky elenca dentre as causas da derrota para o fascismo na Guerra Civil Espanhola, vide "The Lessons of Spain: The Last Warning", aqui), trata da Coreia do Norte. Precisamente, denuncia violações a direitos humanos no país bem como o uso de campos de concentração para fins correcionais, inclusive para delitos de opinião. É possível que as denúncias sejam verdadeiras- as fontes das denúncias, ONG's e órgãos das Nações Unidas, têm contra si a suspeita de parcialidade, mas por outro lado o próprio regime, ao se fechar em si mesmo, impossibilita a verificação dos fatos pelo restante da comunidade internacional, e, por óbvio, as versões do próprio regime não são igualmente isentas. Como quer que seja, e sem querer justificar uma coisa com outra, campos de concentração não são exclusividade da Coreia do Norte, vide por exemplo a Guantánamo dos ianques, nem a violação a direitos prisionais, triste realidade mesmo no "desenvolvido" Ocidente. Está na pauta do dia, aliás, o julgamento, aqui no Brasil, dos responsáveis pelo massacre do Carandiru (aqui).

No texto que indico acima, o articulista diz que "en Corea del Norte la economía está estatizada, y es controlada férreamente por una burocracia". Esse binômio caracteriza, corretamente, o país como um Estado Operário degenerado burocraticamente. O aspecto objetivo -planificação da economia, sem a qual não há socialismo- mais o aspecto subjetivo: quem está por trás de tal economia. Se uma casta burocrata, temos um socialismo degenerado. Socialismo pleno -na medida em que exista algo "pleno"- só existe quando há autodeterminação da classe trabalhadora, só existe diante do autogoverno dos trabalhadores.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

E morre Margaret Thatcher

A dama de ferro encontra seu termo, aos 87 anos (aqui). Como boa apóstola do neoliberalismo que foi, não merece ter a morte chorada. O capitalismo é intrinsecamente ruim (é baseado na competição e apropriação privada do trabalho alheio), mas não há nada pior que o capitalismo em sua feição neoliberal. O liberalismo clássico de Adam Smith é ingênuo e tem, a seu favor, o atenuante de pertencer a uma fase histórica anterior ao capitalismo selvagem (sua "A Riqueza das Nações" é de 1776, paralela à nascente revolução industrial). Já o neoliberalismo é cruel: é o desmanche metódico da máquina pública, das conquistas do Estado Social, é o combate ao sindicalismo, é a manutenção deliberada de desempregados, o famigerado "exército de reserva".

Foi essa a opção político/ econômica de Thatcher que, não bastasse, foi a vencedora da Guerra das Malvinas, essa infame mostra do imperialismo britânico na América do Sul. Em suma, vá pro diabo que te carregue, Maggie.

sábado, 6 de abril de 2013

"Que se eleve a cultura do povo!"

Na Cult de março, com Ratzinger na capa, entrevista com Vargas Llosa sobre seu recente "La civilización del espectáculo", ainda sem edição brasileira, no qual critica a banalidade e vulgaridade das manifestações culturais de massa dos dias de hoje. Não sou fã de Vargas Llosa; li apenas o "Pantaleón e as visitadoras", e achei muito inferior aos "Cem anos de solidão", do seu rival Gabriel García Márquez, que li mais ou menos na mesma época. Além disso, repudio o seu direitismo. Mas Vargas Llosa não deixa de ter razão quando critica a "vulgarização da alta cultura". Por outro lado, e isso me parece reflexo de seu direitismo, o peruano "defende a cultura como patrimônio da elite, declarando que o único modo possível de democratizá-la é nivelando-a por baixo, empobrecendo-a e tornando-a superficial" (a íntegra da entrevista pode ser lida aqui).

Maiakovsky, já na Rússia dos anos 20, dá outra solução. Em sua resposta ao burocratismo crescente nas artes, que o acusava de ser "incompreensível para as massas", disse: "que se eleve a cultura do povo!". Não se trata, pois, de "rebaixar" a arte, e sim, ao contrário, de "levantar" o gosto popular. Ademais, deve-se rejeitar o elitismo que vai negar à classe trabalhadora a aptidão para a "boa" arte, como também o preconceito que vai incidir sobre as manifestações populares, como se não pudessem ser, elas também, "boa" arte. As aspas são porque, claro, nesse assunto tudo é relativo e questão de opinião.

Explicando o novo espaço

Abro este novo espaço para dar conta de uma vontade que o Nova Dialética não permite realizar: a de produzir posts curtos, mais ágeis, ou mesmo simples comentários de matérias e fragmentos alheios. O Nova Dialética, assim, será o ambiente para textos mais extensos -coisa que aliás nem era seu objetivo inicial, quando minha intenção era uma análise do cotidiano, crítica, mas com leveza-, abordagens mais profundas e melhor desenvolvimento dos temas. Não a ponto de se perder o caráter de post, todavia; o post, ao contrário de um artigo acadêmico, obedece à lógica "internáutica" da leitura rápida. O nosso desafio é fazer com que essa leitura rápida tenha um mínimo que seja de profundidade. O rápido não precisa ser sinônimo de vazio, afinal de contas- e mesmo a leitura apressada, no intervalo do trabalho ou no smartphone no ônibus apertado, pode despertar para ideias, conceitos (inclusive para discordar, o que é ótimo), estimulando o aprofundamento posterior. Mesmo no meu blog jurídico, o Juspublicista, delimito claramente os posts dos artigos jurídicos propriamente ditos: têm naturezas, objetivos, diferentes.

No Nova Dialética, então, vamos aprofundando as coisas. Aqui ficará o sucinto, a, digamos assim, pílula de reflexão. Em várias doses diárias, espero eu -se tiver tempo para tal- porque os assuntos não param de chegar. Mesmo que falemos de platitudes banais pois, não raro, a chave de tudo está no óbvio diante de nossos narizes.